quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Andanças


Andanças
W.Faria

Nada que vem de mim tem mais valor
Do que as curvas que essa vida dá,
Vou caminhando e canto no vento,
Vou inventando meu tempo ,
Para poder me contar.

Bota mais uma dose pra mim,
Deixa eu dormir aqui no jardim,
Quero sentir que sou parte da grama,
Que eu to correndo do drama,
Que existe em todo lugar.

Sou viajante rumo ao incerto,
Nunca sei onde vou terminar,
Feito poeira eu sou da estrada,
E não me importo com nada,
Não tenho nome ou lugar.

Nada que vem de mim tem mais valor
Do que o movimento do mar,
Vou navegando as ondas que invento,
vou velejando o momento,
Andança é o que a vida traz.

sábado, 8 de dezembro de 2012

O velho novo homem

O velho novo homem.
W.Faria

Quem fala pouco é pouco, quem fala muito é demasiado,
Quem abre a porta é louco, quem puxa o assento é atrasado,
Quem faz o jogo é rude, quem planta flores se ilude,
Acredite, não fazer nada não faz de você normal.

Existe uma linha fina que separa o homem do animal,
É quando o bom dia não rima com um rugido banal,

O tempo é inventado e o mundo não é mais quadrado,
Os tempos de cólera passaram mas deixaram seus filhos,
São homens e mulheres quebradiços, com sonhos passivos,
Notas largas e manjares na mesa, é um tempo de tristeza,
Quando o homem parece não ter mais certeza,
De que existe algo mais, de que é da sua natureza,
Ser um peixe contra a correnteza.

No tempo em que os versos ninavam,
Os homens dormiam e sonhavam,
Quanto a mim, continuo sonhando,
Durmo um sono sem fim,
Com os versos que canto para mim.

--//--

À sociedade machista, cujos culhões estão nos bolsos, cujas mulheres são só troféus, cujas paixões não chegam aos céus.

Guerra fria

Guerra fria.
Wesley Faria

Olha só para nós, quem diria,
Continuamos nessa guerra fria,
Eu e minha poesia.
Quem diria que minha pena se tornaria canhão de poema,
Quem diria que minha educação se tornaria resquicio da solidão, Quem diria que o padrão não me chamaria atenção.

Olha só para nós, sorrindo aos berros em um mundo de melancolia, luz forte para quem já não via,

Quem diria que depois de tanta guerra, depois de tanta terra, depois de tanto peito rasgado e choro largado teria somente minha poesia, quem diria.

Sagrada poesia, quem diria,
Os versos da face não são tão doces quanto os teus,
Os velhos amigos não a lêem como eu,
Sob a tenda vermelha de um sangue hebreu,
Olhos profundos como a oração de um ateu,
Alí, logo alí, bate um coração com amarradas asas,
Na janela fechada, bem no meio da casa,
Apagando seu rosto em meio a tanta fumaça,
Um peito descansa sorrindo seu choro de brasa.

Que pena que seja poema,
Quanto ao poesia, quem diria
Continuamos nessa guerra fria.

Salmos

Porque meu tempo é quando eu quero, não que as horas me sirvam, mas posso viver sem relógio. W.Faria

Não existe um só santo vivo, pra ser santo tem que morrer, enquanto a vida existe tudo ainda é arte, depois da morte, tudo vira santidade. W.Faria
 
Tenho uma pilha de sorrisos guardados para quem souber pegar, estão bem escondidos, só quem consegue ver pode levar. W.Faria 

Cabala

Cabala.
Wesley Faria

Sete saias, sete cores, sete sonhos, dez amores,
Sete mantos, sete véus, sete estradas, um só céu,
Sete livros, sete salmos, sete vistos, um destino,
Sete cruzes, sete luzes, sete dores, um menino.

Sete capas, sete punhais, sete peixes são demais,
Sete casas, sete salas, sete velhos ancestrais,
Sete guias, sete velas, sete linhas em sete telas,
Sete gotas, sete bocas, sete unhas, uma louca.

Sete deuses, sete sortes, sete vidas, uma morte.
Uma morte, uma morte, uma morte, uma morte,
Uma morte, uma morte.

sábado, 24 de novembro de 2012

Nossa Senhora Sonora


Nossa Senhora Sonora
W.faria

Nossa Senhora Sonora,
tambores e velas te rogam,
te peço em sua mandinga,
O vulto de amor que me envolve.

Nossa Senhora Sonora,
Quero ter sempre em meu leito,
Uma imagem de santa,
Teu rosto, teu manto e teu jeito.

Sem perceber eu me deito,
Me vou e me chego na cama,
Oro e acendo a chama,
da vela a alumiar,
Durante todos os sete dias
nos quais me dedico a cantar.

Senhora Odoiá Saravá.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Batizado

Batizado
W.Faria

Cria-se o mundo, nascemos prontos,
Nos deixam as rugas, o sangue e o suor,
Os gritos afoitos, as lágrimas rumo ao solo,
As roupas pálidas se lançam ao céus
E a testa se molha na santa água virginal.

A água da verdade adentra as narinas,
O susto se reveza com as orações e o pedidos se faz,
batiza-se o filho, o pai e o santo,
Se lava com ternura e se rega com pranto.
Nova vida se faz, novo ciclo, nova paz.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Trovão no pé e serra

Trovão no pé e serra
Wesley Faria

Rasgou o céu e se escondeu,
Rasgou o céu e se fez de sonolento,
Se embrenhou por trás de uma nuvem e dormiu.

Olha! Outra vez,
A claridade salpicada pelas gotas de chuva,
Que confundem luz e sombra pelo chão.
O Som do coração de Deus,
Ou o som do estômago do cão.

Vejo um bicho que passa ligeiro,
Aparece no nevoeiro,
Se sustenta em branca luz,
E logo se apaga feito o feixe que o fez jus.

Vejo roupas no varal,
Vejo romper o bucho do temporal,
E o sangue da nuvem descer,
Se contorcendo até meu quintal.

O som que assovia no lajedo,
É canção pra quem sente medo
É oração pra quem reza em segredo,
Seu pedido de redenção.

Rasga o céu e se emaranha,
Pela terra, traz vida em barulho de guerra,
Traz meu corpo pra mais perto do chão,
Sinto o cheiro adocicado
Do teu peito acelerado
Feito som de percussão.

Se aquieta aqui no ombro,
Te penteio com meus dedos,
Te aconchego ao pé d'ouvido
E te digo que a vida,
É maior que a escuridão.
Feito a noite que vem corrida,
Como o fogo que trucida,
Quando o raio toca o chão,
Pode ser que mate aos poucos,
Pode ser que mate logo,
Mas a vida é um pé de serra,
Que se treme com o trovão.

Se aquieta aqui no ombro,
Espera o tempo virar,
Te escrevo feito um conto,
E reinvento esse lugar,
Te descrevo cada canto,
Te desenho todo o encanto,
Que você puder se lembrar,
Depois quando o lampião acender,
E aos olhos iluminar,
Te asseguro, você vai ver,
Vai preferir apagar.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Flor de Pé de Serra

Flor de Pé de Serra
Wesley Faria

Foi lá num pé de serra que eu vi a flor se apousar,
Foi de dentro pra fora que eu senti a luz brotar,
A roda da saia, o pé no terreiro, o broto na terra e meu joelho no chão,
Eu acertava meu tempo pra cruzar com o dela,
Eu lumiava a lamparina pra poder desescurecer,
E escurecia a noite pra poder ninguém nos ver.

A cigarra já desistia de cantar seu solo,
Viu logo que eu não ia embora, e lá fiquei,
Eu esperei a flor brotar, se erguer,
E dançar penduricalhada em seu próprio sonho,
Quando o sol se jogou por trás do morro esverdeado,
Que mais parecia pintura, era um morro que só almofada de doutor,
Feita de linho branco com estampa de cor, coisa linda que só.

Quando o sol despencou na terra o sabiá deu lugar ao curió,
Pois o véu que ia chegar precisava de um canto pra embalar.
E a flor que dançava sorrindo, logo ficou quietinha,
Sentindo a brisa vindo, concentrada que só vó temperando ceia,
A chuva lavou a terra de mansinho, a terra tremeu agradecida,
Logo criou nova vida e foi ela, a vida, que me apresentou a estrada,
O musgo, o mangue, a vida que me apresentou o sangue,
O sangue que jorra na tina e que suja a batina.

E eu que estava ali só para observar a flor,
Logo fui embora pra poder anotar tudo que vi,
E um dia, contar pros netos,
Que eu vi uma flor sorrir.

sábado, 15 de setembro de 2012

Nego Xangô

Nego Xangô
Wesley Faria

O Oya já saudou Nego Xangô
Ele fé é justiça raça e cor
Ele tem o leão abrasador
Ele é feito um clarão que afasta a dor.


O iesu já pegou oque faltou
Já curou dor de amor amenizou
Já chamou lá da mata pra fechar
O buraco que a flecha acertou


E Olorum Mandou
Rasga a reza e o pranto,
Desabrocha a dor,
E já presenteou
De Ijexáafroxé
Pra Nego Xangô.


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Osso Seco

Osso seco.
Wesley Faria 

Uma vida é de menos pra quem sonha,
Todo sonho é pequeno pra quem fica,
Quando a dor é pequena ou tamanha,
Sempre tem uma lágrima escondida,
Se o tropeço não faz a despedida,
Toda gota que cai tão distraída,
Vira marca de dente e de mordida.
Osso seco em terra amarelada,
Rente a pele que se vai alvorada,
Com navalha no fogo mal amolada.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Apresentação de Poesia no ECFA.

foto_Jessika Vieira
ECFA_Espaço Cultural Francisco de Assis.

Poema-santo II


Poema-santo II
W.Faria

Quando o poema nasce santo,
E o olho se emaranha,
Entre a saudade e o pranto,
Entre a fome e a canção,
Vejo um rastro de saudade,
Acompanhando a procissão.

Quando a terra abre a boca,
E o poema vai de encontro,
Vejo o vento por sua roupa,
Qualquer um pode ser santo,
Rir o riso e vestir manto,
Mas quem veste o limpo e o roto,
Faz sua reza e seu quebranto
se esconderem sob o pranto
do seu peito que se esvai.

É quando o riso se ajeita,
É quando a terra se enfeita,
É quando o abutre espreita,
O prato cheio que cai.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Pé de Serra


Pé de Serra
W.Faria

Foi  lá num pé de serra,
que eu vi a flor deitar,
foi como um tiro de guerra
que o meu coração, se espalhou no ar,
foi  só por um instante,
eu  pude sentir sua solidão
coração frágil, delicado,
se partiu em três
se espalhou no chão.
Os pedaços se esconderam pelos cantos
Mesmo um pranto é santo quando é canção.

Eu do Mato


Eu do Mato
W.Faria

Gosto mesmo é de comer amora, goiaba e comer jamelão.
Rir um riso frouxo com os lábios roxos em profusão.

Gosto de andar descalço, leve, solto feito bicho, feito flor,
feito o morro que ninguém alcança.

Gosto é de nadar no rio, sentir o friozinho gelar a nuca,
caçar rolinha, roçar a relva e me vestir de flores e cipós.

Gosto do gosto de mel, não o enlatado, esse não me agrada não,
gosto do mel natural, aquele que é difícil de pegar e dá mais prazer em comer.

Gosto do cheiro do vale, do canto do sanhaço, gosto de celebrar a vida assim
Sob as estrelas ou sobre o topo brilhante do morro ao longe.

Por fim, gosto de ser a melodia do vento e sussurrar meu nome por onde passo,
assim, deixo um pedaço de mim por aí, pelo mundo e me torno ser sem dimensão,
difuso no ar, caído na grama e cheirando a jasmim, sou mais feliz assim.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Poema-santo

Poema-santo
Wesley Faria

O poema é um despacho na encruzilhada do peito,
O poema não é nada mais do que uma reza meio sem jeito,
O poema é um santo em dia de festa,
O poema é a vida que se vê pela fresta
E o poeta é o único capaz de puxar o ponto,
de deitar pro santo, de fazer sonar o gongo.

O poema é oq se quer ser e não se é,
O poema é o meio termo entre a carne e a fé,
O poema é, sem querer ser,
Queima sem se consumir,
consome sem embrutecer,
É o fio da linha do tempo,
E o poeta o tecelão.

Quando tudo for fim,
Só o poema falará de mim.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Santa


Santa
W.Faria

Teu manto, teu oratório, tua manta teu cobertor,
juntando verso e rima, cordeis por onde ela for.

Imagem e fotografia, a foto e a minha canção,
teu leito e a melodia, da palma da tua mão.
Tambores clamam teu nome, pandeiros, velas no chão,
a arte santa e insone, teu corpo santo no chão.

Um riso e um lampejo,
de janeiro a janeiro,
desejo, desejo e desejo.

O Tempo


O Tempo
Wesley Faria

E Deus, cansado de brincar no escuro,
Disse, "Que aconteça o tempo"
para que minha criação não durma ao relento,
E de invento em invento,
Foi criado o pai de cada elemento, o Tempo.

A lona negra do céu,
Cintilada por fagulhas,
Trazia presa em seu véu,
Desenhos de  curiosas figuras,
Passos largos, cuidadosas,
Eram homens e mulheres,
Bicho novo e apaziguado,
E o tempo os cobria a pele,
Feito o velho paletó aposentado.

E para não se sentir sozinho Deus criou o amor,
Que era para ter vida e luz, no caminho por onde for,
Amor, como retirante que tange boiada,
Vem lento e iluminado feito o chegar da alvorada.
Ele veio e ganhou espaço, o amor era seu mais forte laço.

E Deus sentiu que o amor precisava de um ser irmão,
Criou e testou tudo que pode,
Até que acertou na mão,
Criou o peito e no peito, colocou o coração,
O local ficou tão belo, com cortinas e varanda,
Que o amor não mais saiu e por hoje ainda anda,
Fazendo café e bolo, pintando a casa de douro,
Vivendo feliz e florido,
Deus em sua meninice,
Pode ter criado tudo e se ido,
Mas o amor fica,
E só é amor quando é bem vivido,
Mesmo depois da morte, se bem vivido foi,
Não existe quem no mundo pode,
Fechar a estrada por onde foi,,
Estrada que ele mesmo abriu,
Se embrenhou e depois sumiu,
Rangendo num carro de boi.

domingo, 1 de julho de 2012

Conto de um pequeno amor.


Conto de um pequeno amor.
Wesley Faria

Conta  a história de uma menina órfã que nasceu em uma pequena cidade do interior chamada Nova Esperança, filha de agricultores cresceu sem muito estudo e muito conhecimento do que vinha a ser o amor, sempre dedicada ao campo e as coisas de casa um dia, como era de costume, ela foi ao meio da plantação da familia e se deparou com um espantalho sorridente que lá estava, fazia sombra para as folhas novas e para os bichos que ali se deitavam, em um momento de introspecção sentiu que a mão do espantalho recaia sobre seu ombro, muito apavorada ela olha para o espantalho e diz, quem é você para tocar em mim? não sabe que sou pura de coração? neste momento o espantalho, aquele ser sem vida e sem luz responde a menina:

"como pode se julgar pura sem saber oq é a sujeira?"

ela se ajoelhou, olhou para a procissão de sentimentos que trazia no peito e percebeu que para nenhum deles ela poderia dar o nome de amor e perguntou ao espantalho:

- e como faço para conhecer o amor?

o espantalho olhou, com seu tom de terra envelhecida e suas vestes de judas e disse quase que sussurrando:

"para conhecer o branco, deve se conhecer o preto,para se ver o céu, deve-se ver a terra,assim, não se conhece o amor sem viver a tristeza e não se vive a pureza sem provar da sujeira,por isso quando quiser conhecer o amor,pense bem se já conhece os outros sentimentos, afinal, só quando conhecer a direção errada poderá imaginar um  caminho melhor, antes disso...
...toda contramão será o caminho certo.

Vestido-mar


Vestido-mar
W.Faria

O mar faz milagres
com a mente da gente
parece que lava oq tem por dentro
seca oq tem por fora
transforma a cor em sentimento
traz o distante pro tempo de agora.

olhando o mar não tem quem não queira
ser pescador ou ave praieira,
ser marinheiro ou barco a vela
contanto que o barco deslize no azul
e o azul seja a cor do vestido dela.

Teu calor meu frio

Teu calor meu frio.
Wesley Faria

Quando o véu rasgar e o vento então se por,
Vou pedir ao tempo, mais um tempo amor,
Quando o teu sorriso, florescer abril,
Mais do que eu preciso, teu calor meu frio,

Quando as ondas são demais
nosso amor é nosso cais,
Meu bem, pra que um porto
se morto vou sem ter razão
da vida que vivi.

Se um par perfeito é o seu sorriso
Junto ao meu, é paraíso
E para isso me fiz de bobo,
Pra escutar você telefonar 
Com a mesma voz de sempre
e me enganar.

Me fiz de são, sem ter razão, 
Sem o andor do amor,
Sou feito cor sem tinta,
Feito acorde sem instrumento
E nem o vento pode mais me carregar.

Quando o véu se rasgar
E o vento então convalescer na brisa
Vou chegar na maré mais cedo,
Sei que vou chegar,
Quando o teu sorriso,
Florescer abril,
Mais do que eu preciso,
Teu calor meu frio.


O último homem


O último homem
Wesley Faria


quando o último gole for derramado,
quando o último grito ficar rouco,
quando o lampejo for um lume riscado,
quando o último cristo ficar louco,
quando o calvário for um corte solto,
o homem entenderá seu valor,

Quando a última moeda perder seu brilho,
quando a última nota for rasgada,
quando a última estrela cadente tombar,
quando a última página for lida,
quando a última folha secar,
o homem entenderá seu valor,

Valor imaginário, dissoluto em barro seco,
valor seco, dissoluto em barro imaginário,
barro da vida, dissoluta em valores secos,
Secos homens caminharão sobre a terra,
tentarão semear as últimas farpas de vida,
tentarão aguar as últimas memórias de sonho,
ruminarão pesadelos nucleares,
colherão rosas de onde nem o lodo nasce mais,

Homens e mulheres migrarão, filhos em punho,
punhos de crianças servirão de brasões,
serão então imigrantes de uma terra de ninguém,
serão então imigrantes de uma terra de ninguém,
onde ninguém mora ou morou,
onde ninguém sonha ou sonhou,
onde ninguém caminha ou caminhou,
onde ninguém jamais existiu,

Quando o último golpe for dado,
e a luz tocar a fronte,
o último homem, de cima do monte,
desejará nunca ter entendido seu valor,

Quando o último golpe for dado,
e a luz tocar a fronte,
o último homem, de cima do monte,
desejará nunca ter entendido seu valor,
podendo assim caminhar com seu sorriso
entalhado a lâmina fria no rosto de mármore,
Desfrutará da doce ignorância que move os seres,
Caminhará com passos largos,
pisará na lama e verá jasmins,
sentirá envolto ao amor dos muitos,
mesmo solitário em sua prisão invisível,
caminhará onde ninguém caminhou,
existirá onde ninguém existiu,
Conquistará oque ninguém conquistou
e desistirá, quando ninguém desistiu.

Olhar de estrela


Olhar de estrela
W.Faria

Lá de cima, espiando,
como a senhora que espia pela fresta
A procissão passando,
E a acompanha a passo lento,
Feito folha ao vento,
O ir e vir da fila de sonhos,
Caminhando pelo oco do tempo,
Lá de cima, no cantinho do céu,
Onde o olho mal alcança,
A estrela, brincando no véu,
feito criança.

Viu o fogo no céu?
E o trovão? ouviu?
e eu pequeno daqui debaixo,
com olhar perdido no espaço,
contando estrelas que passam por mim,
E desenham no céu um novelo de linhas amarelas,
parecem velas, parecem telas.

Lá de cima, espiando,
Uma menina com vestido de flor,
sonhando, sonhando,
Sonhando com seu amor.

Minha gira


Minha gira.
Wesley Faria

Minha gira está dentro do meu peito,
Meu congá é meu coração,
Meu luar é minha vela,
Meu santo é minha mão.

Saravá ao peito meu,
Quer salvar o peito seu,
E assim na encruzilhada,
Água benta batizada,
o meu peito saravou,
o seu congá que já girou.

Atabaque é som de passo,
passo dado já não volta,
Corre a gira no meu peito,
Firma o sonho, vem e não não solta,
Que a gira precisa girar,
a roda precisa rodar,
a vela precisa queimar,
saravá peito meu, sarav

Passo Lento

Passo Lento
W.Faria

Santos homens maculados pela lâmina do tempo,
Santos homens imaginários, se tornam folhas ao vento,
Levam o tempo de antes, quando a cor era forte,
Levam no peito todo o mar, velejados sem um norte.

A mãe suspira a janela, olhar perdido no vão,
as mãos pedindo socorro, as bocas pedindo por pão.
No peito um oceano de lágrimas, por um filho que já se foi,
Levado pelo nó da gravata de linho, sentimento terno,
embalados pelo vinho, deixando o momento eterno.

Para quem se foi mais cedo, sobram os sorrisos da lembrança,
deixando tantos amores sozinhos, deixando ao léu a esperança,


Santos homens maculados, pela fome que desata,
Negros, brancos e mestiços, cujo nome não está na ata,
Atando a mão com sangue, sangrando pela própria perda,
Fome, reza, seca e pontos,
A gira da vida ao toque do repente,
De repente o santo caos maldito que carregam cães de guarda,
O santo cão de guarda, que carrega a vida entredentes.

Poeira na rua vermelha, poeira dentro do peito,
A vida que segue agora é só poeira,
É a espera de uma mãe que se deita,
Que ora por um dia de alento,
Que seca sua lágrima na cera,
Que encera seus passos no chão.

Santos homens maculados, pelo vazio do pão,
Todo homem é eterno, nada na vida é em vão,
A carne se deteriora, se deturpa e chora,
Pela vida que se foi, trocada por numeros e cifras,
Homens e mulheres invisíveis caminhando na procissão,
Agora, serpenteando no oco do tempo, pensamentos e saudades,
Agora, serpenteando no oco do tempo, o rolar de lágrimas e verdades,
E agora? quem vai usar o capelo, na linda celebração?
Quem vai sorrir dizendo "mãe, consegui" ?
Quem vai dizer "Mãe, venci"?

Vem filho meu, me visita em sonho, me toca a face,
com seu olhar risonho, vem filho meu, me enxerga nesse escuro,
me ensina a caminhar, com seu olhar maduro,
Diz "não mainha, não chora porque estou bem,"
Diz que de mim não espera nada, vem ser a "Reza" do meu "amém"

Vem filho meu, ri de mim quando eu errar,
Quando apertar o botão e o celular não funcionar,
Sorri pra mim e me ensina a ligar,
Quem vai me acalmar de manhã,
quando o acúcar acabar?
dizendo "calma mainha, eu busco, tudo vai melhorar"

Santos homens maculados, que deixaram um buraco
onde antes tinha vida, quando era um espetáculo,
A mãe segue a procissão e vai carregando sua cruz,
Reza apertando o terço, pedindo pra que seu filho no céu,
Fique amigo de Jesus, mal sabe ela que seu Senhor,
sem pressa em seu andor, caminha ao seu lado na procissão,
aos poucos, a levando pela mão.

Paisagem de criança

Paisagem de criança
W.Faria

Duas cordas balançando
Duas mãos girando em par
Duas pernas saltitando
Pé no chão, pé no ar.

Umas tranças se balançam
Um sorriso cai no chão,
Os pés que saltavam descansam
Outros assumem sua posição.

Um grito, um susto,
As cordas no chão
A mãe chama alto,
É o tom da refeição.

Um aceno, passos largos,
Par de pezinhos correndo,
Novos péz nos espaços vagos
Sonhos novos no sereno.

Pedra branca


Pedra branca
W.Faria

Pedra branca que alumia
quem por ela se passar
luz da lua sua guia
diz adonde que vai dar

Boiadeiro vem de longe
tanje o gado sem parar
voz da brisa ressoante
guia o passo pro luar

vai boiadeiro vai
que o mundo inteiro é seu,
Vai boiadeiro vai,
anda e vem pro peito meu

Vai boiadeiro vai
Nessa terra tudo dá
dá saudade do luar
e do bem que vai chegar

Vai boiadeiro vai
No galope que quiser
o seu passo mora longe
feito olhar de mulher

Pedra branca que alumia
quem por ela se passar
passa noite passa dia
só não passa o andar.

O verbo e a carne

O verbo e a carne
Wesley Faria

Entre o verbo e a carne existe o homem,
Que rasga a terra em busca do espaço,
Que rasga o negro do espaço em busca de terra,
Que enterra o passado em busca do hoje,
Que se esquece do hoje em busca do amanhã.

Entre o verbo e a carne existe o homem,
Que se derrota em busca de vitória,
Vitória, vitória plena, plena luz de outrora,
Luz, luz de agora, se esvaindo pela fresta da porta,
Porta, porta de ferro, porta-fé.

Entre o verbo e a carne existe o homem, o deus do agora,
O agora são as linhas do tempo na palma da mão,
O agora são as linhas, oração às linhas inimigas,
Oração de fim de noite quando o sono não vem,
E o sono vai e vem feito estrelas caídas pintando de novo o velho céu,
Pintando de noivo o homem frente ao véu da noite,
Você viu? a novidade passageira que cruzou o teto?
E como todo passageiro tem seu destino certo, você viu?

Entre o verbo e a carne existe aquilo que quero e o que não quero,
Existe a mentira e a verdade, a figura e a vaidade,
A mentira é o padre na hora de extremulsão,
Verdade é tudo que nos prende ao chão.
Entre o verbo e a carne prefiro aquilo que não vejo,
Pois aquilo que vejo não precisa do meu desejo.

Odoiá


Odoiá
w.faria

A barca apita no mar,
A preta corre pra ver,
A ponte vai balançar,
Traz o dendê
Traz a broa de fubá, acarajé,
Vem ver o homem chegar,
Vem ver a barca parar,
Com a bênção de Iemanjá,
Vai descansar.

Odoiá, Odoiá ô Sinhá,
Odoiá, só de olhar, tem poder,
Odoiá, Odoiá ô Sinhá,
Odoiá, só de olhar.

A tarde vai pro terreiro,
Agradecer ao Senhor,
Pedir a bênção ao guerreiro, seu protetor,
Não tarde seu Orubá,
De coração vai fazer,
Pra Dona Mãe Iemanjá,
Agradecer.

Odoiá, Odoiá ô Sinhá,
Odoiá, só de olhar, tem poder,
Odoiá, Odoiá ô Sinhá,
Odoiá, só de olhar.

O amor é chuva

O Amor é chuva
W.Faria

É como se a gente nascesse e morresse sem rumo,
É como se o céu brilhasse só pra nos ver escrever uma letra de canção e quando a gente escreve ele se apaga,
É um vai e vem de meio e vão que nos faz ficar sem rumo,
Um tal de quero ir, quero ver, quero descer ou subir,
É um sentimento diferente, não é raiva, não é amor, não é lógico,
É chuva, é poeira, é ar,
É pequeno e de tão pequeno é grandioso,
Como se não quisesse ter forma,
Um sentimento que faz lembrar de quando pequeno,
O bater de panelas na cozinha, o doce de goiaba na mesa,
Um sentido antigo logo ali, incrustado em tudo no presente
E o presente morre a cada noite,
A cada madrugada que se explode,
O presente é pedra no caminho do amor,
O amor é uma pedra no caminho,
O amor é pedra,
O amor é caminho,
Mesmo sem ser nada,
O amor é chuva.

Quem volta do mar


Quem volta do mar
W.faria

Num canto de Iara percebo a mudança das ondas,
A lestada forte que renoa o negrume das águas.
Os pescadores que se entrelaçam com a neblina
E a neblina que definha lentamente rumo a praia.
O perfume suave da manhã que começa tomar o cais
Num turvo amanhecer que se despe para o dia vestido de sol
O negrume, agora pardo, se transforma num verde água apaixonante.

O mar e o dia parecem sorrir,
Vejo calcanhares molhados,
Pescadores contam suas piadas no bar mais próximo
Mas logo vão pra casa
abraçar suas esposas, flores morenas, louras, multicores,
Que aguardam para ouvir da noite na lida,
Logo vão conversar com Deus,
Olhar nos olhos de suas filhas e abracá-las.

Tomar um café e afagar seus cães.Logo irão dormir.
E tão logo o mar os tomarão novamente e, sutilmente, se vesitirão com a turva e doce neblina, neblina que vem, languidamente, apagará o colorido do mar, dos barcos. Por fim tomará seus corpos descansados mais uma vez, mais uma noite
até que um dia, não mais havendo surpresa, ninguém mais volte da boca da noite.

Flor da Candeia


Flor da Candeia
Wesley Faria

Na acinzentada lua branca,
uma luz toca o chão frio da varanda
A cadeira debaixo da janela,
umas roupas no varal,
Um livro de nietzche,
um de bretch ou de suassuna,
não consigo ver direito o autor,
Aqui deste quintal,
Aliás, não sei nem se nietzche existiu de fato,
Já Cancão, Zé da Luz e Suassuna eu garanto o relato.

A luz vinha de leve e temperava a plantação,
Enquanto o café bulia o cheiro da paz feita a mão,
Um perfume de flor branca me arrancava do chão,
Escrevia verso e poesia, na mente, no peito e na mão,
via a cor da luz do dia, No meio da noite, bem no vão.

A casa, de escura se transformava,
Quando ela, devagar, passava,
Do quintal eu posso ver,
Luzes feito asas saindo de suas costas,
Uma saia engomada, com fitas brancas bem postas,
E Um andar assim macio, feito orvalho na roça,
Eu de longe espiava, que era pra não ser notado,
Afinal nunca deu em coisa boa, espiar envergonhado,

Para espiar é preciso ter coragem,
Pois se tudo der certo como é que se vai fazer?
Não se pode deixar a ocasião, aos poucos covalecer,
Então para olhar ligeiro, mesmo assim sorrateiro,
É preciso muito mais peito do que galo de terreiro.

Ainda mais para espiar uma moça tão distinta,
Que merece só se olhar,
Pra tocar com a mão já grossa de tanto trabalhar,
É preciso botar luva, pra sua pele não arranhar
Mas a moça ia e vinha, acho até que se engraçava
Pra um moço mieo sonhador que de longe a observava.

Eu, tremendo de tanto frio, ou de tanto medo mesmo,
Não consegui manter o semblante de homem caminhante,
Que não estava observante, tava mesmo só passante.

Enquanto eu me aprimava, a lua se apagou,
Feito nuvem que se vai e a moça se adentrou
na casa de vosso pai,
Todo dia eu espiava, quando voltava do trabalho,
procurando aquela moça, aquele cheiro, naquele horário,

Nunca mais eu vi a moça, Nunca mais o cheiro bom,
Nunca mais a luz da lua, nunca mais o velho tom,
Mas quem sabe ela volta um dia, com sua pele macia
e seu cheiro de flor, seu andar ajeitado,
que me carrega por onde for,
E resolve dar uma olhada,
pra esse jovem escritor.

Exrio


Exrio
w.faria

Mover o rio,
Dissipar o pó.
Cortar o tronco,
Cortar sem dó.

Parar a canoa,
contra o vento e o nó.

O sumo não derrete ao sol,
O sumo sacerdote não se equivóca,
É de fé e de cera sob os pés da santa,
Onde as mãos se queimam e o povo pranta
é de fome, de pé na terra que ela dança,
criança, sanidade da lembraça.

Tentam e atentam os olhos embutidos de água doce,
ribeirinhos frente ao rio que ruindo tenta se salvar do açoite.
E a sangria desaguada corre pelas matas séquidas do sertão.
ta certo não, ta certo não.

Almas Secas.


Esse blog reúne poesias que falam sobre a batalha pela liberdade religiosa e pelos versos que nos falem sobre nossa terra.

Almas Secas.

W.Faria

Aqui tinha um rio,
Aqui tinha um rio,
Não! eu não estou louco,
Aqui tinha um rio.
Aquieta meu coração minha mãe,
Minha alma enevoada, avisa ao dono de lá que por aqui passava um rio,
Aqui, onde agora é seco,
Onde agora é morto,
Onde agora é torto,
Onde tem pó e osso de boi,
Daqui a água se foi,
Aqui onde piso, outrora nadava.
Aqui tinha um rio, eu não estou louco, não estou louco,
Sei que tinha e agora seca tem,
Sou herdeiro de um curral de almas,
Que se perdem afogadas num rio fantasma,
Almas secas minha mãe,
Almas secas meu pai,
Molha com teu olhar chuvoso,
Teu bocejo de neblina,
Teu arroto de trovão.
Aqui, bem aqui, por onde passa a procissão,
Passava o rio cheiroso,
Que rasgava o bucho do chão,
Lavava criança, gado, velho e moço,
Dava de comer ao sertão,
Agora, do pó nem barro se ajeita,
É uma terra estreita,
Que migra magra e espreita,
Feito o abutre que espera paciente,
O fim que chega latente,
Almas Secas castigadas, que ruminam sonhos bons,
Almas Secas fatigadas, que esqueceram oque é sorrir,
Tem pena delas minha mãe, tem pena delas meu pai,
Tem pena delas, essas almas que se vão amontoando sobre a terra vermelha do chão,
Almas Secas que se vão, pra o outro lado de bucho vazio,
Chegam aos montes sussurrando,
Que por alí passava um rio.

Projeto Olorum



sábado, 30 de junho de 2012

HISTÓRIA DA UMBANDA

No final de 1908, Zélio Fernandino de Moraes, um jovem rapaz com 17 anos de idade, que preparava-se para ingressar na carreira militar na Marinha, começou a sofrer estranhos "ataques". Sua família, conhecida e tradicional na cidade de Neves, estado do Rio de Janeiro, foi pega de surpresa pelos acontecimentos.
Esses "ataques" do rapaz, eram caracterizados por posturas de um velho, falando coisas sem sentido e desconexas, como se fosse outra pessoa que havia vivido em outra época. Muitas vezes assumia uma forma que parecia a de um felino lépido e desembaraçado que mostrava conhecer muitas coisas da natureza.
Após examiná-lo durante vários dias, o médico da família recomendou que seria melhor encaminhá-lo a um padre, pois o médico (que era tio do paciente), dizia que a loucura do rapaz não se enquadrava em nada que ele havia conhecido. Acreditava mais, era que o menino estava endemoniado.
Alguém da família sugeriu que "isso era coisa de espiritismo" e que era melhor levá-lo à Federação Espírita de Niterói, presidida na época por José de Souza. No dia 15 de novembro, o jovem Zélio foi convidado a participar da sessão, tomando um lugar à mesa.
Tomado por uma força estranha e alheia a sua vontade, e contrariando as normas que impediam o afastamento de qualquer dos componentes da mesa, Zélio levantou-se e disse: "Aqui está faltando uma flor". Saiu da sala indo ao jardim e voltando após com uma flor, que colocou no centro da mesa. Essa atitude causou um enorme tumulto entre os presentes. Restabelecidos os trabalhos, manifestaram-se nos médiuns kardecistas espíritos que se diziam pretos escravos e índios.
O diretor dos trabalhos achou tudo aquilo um absurdo e advertiu-os com aspereza, citando o "seu atraso espiritual" e convidando-os a se retirarem.
Após esse incidente, novamente uma força estranha tomou o jovem Zélio e através dele falou: _"Porque repelem a presença desses espíritos, se nem sequer se dignaram a ouvir suas mensagens. Será por causa de suas origens sociais e da cor ?"
Seguiu-se um diálogo acalorado, e os responsáveis pela sessão procuravam doutrinar e afastar o espírito desconhecido, que desenvolvia uma argumentação segura.
Um médium vidente perguntou: _"Por quê o irmão fala nestes termos, pretendendo que a direção aceite a manifestação de espíritos que, pelo grau de cultura que tiveram, quando encarnados, são claramente atrasados? Por quê fala deste modo, se estou vendo que me dirijo neste momento a um jesuíta e a sua veste branca reflete uma aura de luz? E qual o seu nome irmão?
_"Se querem um nome, que seja este: sou o Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque para mim, não haverá caminhos fechados."
_"O que você vê em mim, são restos de uma existência anterior. Fui padre e o meu nome era Gabriel Malagrida. Acusado de bruxaria fui sacrificado na fogueira da Inquisição em Lisboa, no ano de 1761. Mas em minha última existência física, Deus concedeu-me o privilégio de nascer como caboclo brasileiro."
Anunciou também o tipo de missão que trazia do Astral:
_"Se julgam atrasados os espíritos de pretos e índios, devo dizer que amanhã (16 de novembro) estarei na casa de meu aparelho, às 20 horas, para dar início a um culto em que estes irmãos poderão dar suas mensagens e, assim, cumprir missão que o Plano Espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados.”
O vidente retrucou: _"Julga o irmão que alguém irá assistir a seu culto" ? perguntou com ironia. E o espírito já identificado disse:
_"Cada colina de Niterói atuará como porta-voz, anunciando o culto que amanhã iniciarei".
Para finalizar o caboclo completou:
_"Deus, em sua infinita Bondade, estabeleceu na morte, o grande nivelador universal, rico ou pobre, poderoso ou humilde, todos se tornariam iguais na morte, mas vocês, homens preconceituosos, não contentes em estabelecer diferenças entre os vivos, procuram levar essas mesmas diferenças até mesmo além da barreira da morte. Porque não podem nos visitar esses humildes trabalhadores do espaço, se apesar de não haverem sido pessoas socialmente importantes na Terra, também trazem importantes mensagens do além?"
No dia seguinte, na casa da família Moraes, na rua Floriano Peixoto, número 30, ao se aproximar a hora marcada, 20:00 h, lá já estavam reunidos os membros da Federação Espírita para comprovarem a veracidade do que fora declarado na véspera; estavam os parentes mais próximos, amigos, vizinhos e, do lado de fora, uma multidão de desconhecidos.
Às 20:00 h, manifestou-se o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Declarou que naquele momento se iniciava um novo culto, em que os espíritos de velhos africanos que haviam servido como escravos e que, desencarnados, não encontravam campo de atuação nos remanescentes das seitas negras, já deturpadas e dirigidas em sua totalidade para os trabalhos de feitiçaria; e os índios nativos de nossa terra, poderiam trabalhar em benefício de seus irmãos encarnados, qualquer que fosse a cor, a raça, o credo e a condição social.
A prática da caridade, no sentido do amor fraterno, seria a característica principal deste culto, que teria por base o Evangelho de Jesus.
O Caboclo estabeleceu as normas em que se processaria o culto. Sessões, assim seriam chamados os períodos de trabalho espiritual, diárias, das 20:00 às 22:00 h; os participantes estariam uniformizados de branco e o atendimento seria gratuito. Deu, também, o nome do Movimento Religioso que se iniciava: UMBANDA – Manifestação do Espírito para a Caridade.
A Casa de trabalhos espirituais que ora se fundava, recebeu o nome de Nossa Senhora da Piedade, porque assim como Maria acolheu o filho nos braços, também seriam acolhidos como filhos todos os que necessitassem de ajuda ou de conforto.
Ditadas as bases do culto, após responder em latim e alemão às perguntas dos sacerdotes ali presentes, o Caboclo das Sete Encruzilhadas passou a parte prática dos trabalhos.
O caboclo foi atender um paralítico, fazendo este ficar curado. Passou a atender outras pessoas que haviam neste local, praticando suas curas.
Nesse mesmo dia incorporou um preto velho chamado Pai Antônio, aquele que, com fala mansa, foi confundido como loucura de seu aparelho e com palavras de muita sabedoria e humildade e com timidez aparente, recusava-se a sentar-se junto com os presentes à mesa dizendo as seguintes palavras:
"_ Nêgo num senta não meu sinhô, nêgo fica aqui mesmo. Isso é coisa de sinhô branco e nêgo deve arrespeitá."
Após insistência dos presentes fala:
"_Num carece preocupá não. Nêgo fica no toco que é lugá di nego."
Assim, continuou dizendo outras palavras representando a sua humildade. Uma pessoa na reunião pergunta se ele sentia falta de alguma coisa que tinha deixado na terra e ele responde:
"_Minha caximba. Nêgo qué o pito que deixou no toco. Manda mureque busca."
Tal afirmativa deixou os presentes perplexos, os quais estavam presenciando a solicitação do primeiro elemento de trabalho para esta religião. Foi Pai Antonio também a primeira entidade a solicitar uma guia, até hoje usadas pelos membros da Tenda e carinhosamente chamada de "Guia de Pai Antonio".
No dia seguinte, verdadeira romaria formou-se na rua Floriano Peixoto. Enfermos, cegos etc. vinham em busca de cura e ali a encontravam, em nome de Jesus. Médiuns, cuja manifestação mediúnica fora considerada loucura, deixaram os sanatórios e deram provas de suas qualidades excepcionais.
A partir daí, o Caboclo das Sete Encruzilhadas começou a trabalhar incessantemente para o esclarecimento, difusão e sedimentação da religião de Umbanda. Além de Pai Antônio, tinha como auxiliar o Caboclo orixá Malé, entidade com grande experiência no desmanche de trabalhos de baixa magia.
Em 1918, o Caboclo das Sete Encruzilhadas recebeu ordens do Astral Superior para fundar sete tendas para a propagação da Umbanda. As agremiações ganharam os seguintes nomes: Tenda Espírita Nossa Senhora da Guia; Tenda Espírita Nossa Senhora da Conceição; Tenda Espírita Santa Bárbara; Tenda Espírita São Pedro; Tenda Espírita Oxalá, Tenda Espírita São Jorge; e Tenda Espírita São Gerônimo. Enquanto Zélio estava encarnado, foram fundadas mais de 10.000 tendas a partir das mencionadas.

Embora não seguindo a carreira militar para a qual se preparava, pois sua missão mediúnica não o permitiu, Zélio Fernandino de Moraes nunca fez da religião sua profissão. Trabalhava para o sustento de sua família e diversas vezes contribuiu financeiramente para manter os templos que o Caboclo das Sete Encruzilhadas fundou, além das pessoas que se hospedavam em sua casa para os tratamentos espirituais, que segundo o que dizem parecia um albergue. Nunca aceitara ajuda monetária de ninguém era ordem do seu guia chefe, apesar de inúmeras vezes isto ser oferecido a ele.
Ministros, industriais, e militares que recorriam ao poder mediúnico de Zélio para a cura de parentes enfermos e os vendo recuperados, procuravam retribuir o benefício através de presentes, ou preenchendo cheques vultosos. "_Não os aceite. Devolva-os!", ordenava sempre o Caboclo.

A respeito do uso do termo espírita e de nomes de santos católicos nas tendas fundadas, o mesmo teve como causa o fato de naquela época não se poder registrar o nome Umbanda, e quanto aos nomes de santos, era uma maneira de estabelecer um ponto de referência para fiéis da religião católica que procuravam os préstimos da Umbanda. O ritual estabelecido pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas era bem simples, com cânticos baixos e harmoniosos, vestimenta branca, proibição de sacrifícios de animais. Dispensou os atabaques e as palmas. Capacetes, espadas, cocares, vestimentas de cor, rendas e lamês não seriam aceitos. As guias usadas são apenas as que determinam a entidade que se manifesta. Os banhos de ervas, os amacis, a concentração nos ambientes vibratórios da natureza, a par do ensinamento doutrinário, na base do Evangelho, constituiriam os principais elementos de preparação do médium.
O ritual sempre foi simples. Nunca foi permitido sacrifícios de animais. Não utilizavam atabaques ou qualquer outros objetos e adereços. Os atabaques começaram a ser usados com o passar do tempo por algumas das Tendas fundadas pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, mas a Tenda Nossa Senhora da Piedade não utiliza em seu ritual até hoje.
Após 55 anos de atividades à frente da Tenda Nossa Senhora da Piedade (1º templo de Umbanda), Zélio entregou a direção dos trabalhos as suas filhas Zélia e Zilméa, continuando, ao lado de sua esposa Isabel, médium do Caboclo Roxo, a trabalhar na Cabana de Pai Antônio, em Boca do Mato, distrito de Cachoeiras de Macacu – RJ, dedicando a maior parte das horas de seu dia ao atendimento de portadores de enfermidades psíquicas e de todos os que o procuravam.
Em 1971, a senhora Lilia Ribeiro, diretora da TULEF (Tenda de Umbanda Luz, Esperança, Fraternidade – RJ) gravou uma mensagem do Caboclo das Sete Encruzilhadas, e que bem espelha a humildade e o alto grau de evolução desta entidade de muita luz. Ei-la:

"A Umbanda tem progredido e vai progredir. É preciso haver sinceridade, honestidade e eu previno sempre aos companheiros de muitos anos: a vil moeda vai prejudicar a Umbanda; médiuns que irão se vender e que serão, mais tarde, expulsos, como Jesus expulsou os vendilhões do templo. O perigo do médium homem é a consulente mulher; do médium mulher é o consulente homem. É preciso estar sempre de prevenção, porque os próprios obsessores que procuram atacar as nossas casas fazem com que toque alguma coisa no coração da mulher que fala ao pai de terreiro, como no coração do homem que fala à mãe de terreiro. É preciso haver muita moral para que a Umbanda progrida, seja forte e coesa. Umbanda é humildade, amor e caridade – esta a nossa bandeira. Neste momento, meus irmãos, me rodeiam diversos espíritos que trabalham na Umbanda do Brasil: Caboclos de Oxossi, de Ogum, de Xangô. Eu, porém, sou da falange de Oxossi, meu pai, e não vim por acaso, trouxe uma ordem, uma missão. Meus irmãos: sejam humildes, tenham amor no coração, amor de irmão para irmão, porque vossas mediunidades ficarão mais puras, servindo aos espíritos superiores que venham a baixar entre vós; é preciso que os aparelhos estejam sempre limpos, os instrumentos afinados com as virtudes que Jesus pregou aqui na Terra, para que tenhamos boas comunicações e proteção para aqueles que vêm em busca de socorro nas casas de Umbanda. Meus irmãos: meu aparelho já está velho, com 80 anos a fazer, mas começou antes dos 18. Posso dizer que o ajudei a casar, para que não estivesse a dar cabeçadas, para que fosse um médium aproveitável e que, pela sua mediunidade, eu pudesse implantar a nossa Umbanda.

A maior parte dos que trabalham na Umbanda, se não passaram por esta Tenda, passaram pelas que saíram desta Casa. Tenho uma coisa a vos pedir: se Jesus veio ao planeta Terra na humildade de uma manjedoura, não foi por acaso. Assim o Pai determinou. Podia ter procurado a casa de um potentado da época, mas foi escolher aquela que havia de ser sua mãe, este espírito que viria traçar à humanidade os passos para obter paz, saúde e felicidade. Que o nascimento de Jesus, a humildade que Ele baixou à Terra, sirvam de exemplos, iluminando os vossos espíritos, tirando os escuros de maldade por pensamento ou práticas; que Deus perdoe as maldades que possam ter sido pensadas, para que a paz possa reinar em vossos corações e nos vossos lares. Fechai os olhos para a casa do vizinho; fechai a boca para não murmurar contra quem quer que seja; não julgueis para não serdes julgados; acreditai em Deus e a paz entrará em vosso lar. É dos Evangelhos. Eu, meus irmãos, como o menor espírito que baixou à Terra, mas amigo de todos, numa concentração perfeita dos companheiros que me rodeiam neste momento, peço que eles sintam a necessidade de cada um de vós e que, ao sairdes deste templo de caridade, encontreis os caminhos abertos, vossos enfermos melhorados e curados, e a saúde para sempre em vossa matéria. Com um voto de paz, saúde e felicidade, com humildade, amor e caridade, sou e sempre serei o humilde Caboclo das Sete Encruzilhadas".