segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Queda

Queda
W.Faria

Sinto de súbito uma antiga vontade de viver. Algo não está no lugar, percebo as árvores, os pássaros e até mesmo os pequeno insetos, cujos ruídos eram outrora inaudíveis por mim. Sinto de súbito uma antiga vontade de voar, como se o horizonte não estivesse mais amarrado aos galhos do arbusto mais longínquo que posso enxergar. O horizonte de hoje é aquele que não se prende, é aquele que redesenho a cada passo que dou, um puro amor confortável me tomou as veias nesta manhã, notei um quadro que sempre esteve lá, na mesma parede, mal acabada pelo tempo e corroída pelas várias camadas de tinta. Quando olho com mais atenção sempre vejo pigmentos azuis, verdes, brancos e muitos outros em tons avermelhados, a parede da casa de meus pais se parece com a vida que sempre levei. Sinto também uma inconsolável vontade de me sentir amado, de ter os cabelos tocados por mãos suaves e o rosto acariciado por lábios. A vontade que tenho, pensei bem e percebi, é a mesma vontade daquele que salta de um penhasco rumo ao nada e do nada cria seu último instante de eternidade, este, sem saber se vive ou se morre, torna-se um voraz ser completo naquele minuto, é parte do ar, do mundo, se transforma a cada milímetro que cai em oxigênio. Talvez seja isso que tenha sentido ao acordar, oxigênio, uma calma que queima em labaredas em meu peito como quem incinera novamente as lenhas de uma antiga fogueira.

Hoje os pássaros me ensinaram novas melodias e pude notar nos olhos da criança que passou por mim enquanto caminhava a procurar um local mais fresco no qual pudesse repensar valores e tomar um pouco de ar. A criança passou, me olhou e continuou a correr, como se estivesse a me dizer que não se deve temer o desconhecido, não se deve temer a queda, pois ela caiu, uma lenta e dramática queda. Quedas como aquela não se devem ser ignoradas, mas a contrariar todas as leis da natureza de nossas preocupações sociais, a criança ignorou a queda e se reergueu, continuou a correr e caiu novamente. Acreditei naquele instante ter visto um ensinamento delicado de um ser singelo, a queda só é queda quando é vista como queda, pois daquele instante até o resto de minha vida, todas as minhas quedas serão vistas como uma nova oportunidade de me reerguer.

Sinto de subito uma antiga vontade de correr de amar e ser amado, se me tornar eterno, hoje sinto que a eternidade já chegou em meu olhar, dormiu comigo e me viu sair pela porta com um sorriso doce nos lábios. Hoje sou mais que um simples movimento, hoje sou queda.