quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Trovão no pé e serra

Trovão no pé e serra
Wesley Faria

Rasgou o céu e se escondeu,
Rasgou o céu e se fez de sonolento,
Se embrenhou por trás de uma nuvem e dormiu.

Olha! Outra vez,
A claridade salpicada pelas gotas de chuva,
Que confundem luz e sombra pelo chão.
O Som do coração de Deus,
Ou o som do estômago do cão.

Vejo um bicho que passa ligeiro,
Aparece no nevoeiro,
Se sustenta em branca luz,
E logo se apaga feito o feixe que o fez jus.

Vejo roupas no varal,
Vejo romper o bucho do temporal,
E o sangue da nuvem descer,
Se contorcendo até meu quintal.

O som que assovia no lajedo,
É canção pra quem sente medo
É oração pra quem reza em segredo,
Seu pedido de redenção.

Rasga o céu e se emaranha,
Pela terra, traz vida em barulho de guerra,
Traz meu corpo pra mais perto do chão,
Sinto o cheiro adocicado
Do teu peito acelerado
Feito som de percussão.

Se aquieta aqui no ombro,
Te penteio com meus dedos,
Te aconchego ao pé d'ouvido
E te digo que a vida,
É maior que a escuridão.
Feito a noite que vem corrida,
Como o fogo que trucida,
Quando o raio toca o chão,
Pode ser que mate aos poucos,
Pode ser que mate logo,
Mas a vida é um pé de serra,
Que se treme com o trovão.

Se aquieta aqui no ombro,
Espera o tempo virar,
Te escrevo feito um conto,
E reinvento esse lugar,
Te descrevo cada canto,
Te desenho todo o encanto,
Que você puder se lembrar,
Depois quando o lampião acender,
E aos olhos iluminar,
Te asseguro, você vai ver,
Vai preferir apagar.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Flor de Pé de Serra

Flor de Pé de Serra
Wesley Faria

Foi lá num pé de serra que eu vi a flor se apousar,
Foi de dentro pra fora que eu senti a luz brotar,
A roda da saia, o pé no terreiro, o broto na terra e meu joelho no chão,
Eu acertava meu tempo pra cruzar com o dela,
Eu lumiava a lamparina pra poder desescurecer,
E escurecia a noite pra poder ninguém nos ver.

A cigarra já desistia de cantar seu solo,
Viu logo que eu não ia embora, e lá fiquei,
Eu esperei a flor brotar, se erguer,
E dançar penduricalhada em seu próprio sonho,
Quando o sol se jogou por trás do morro esverdeado,
Que mais parecia pintura, era um morro que só almofada de doutor,
Feita de linho branco com estampa de cor, coisa linda que só.

Quando o sol despencou na terra o sabiá deu lugar ao curió,
Pois o véu que ia chegar precisava de um canto pra embalar.
E a flor que dançava sorrindo, logo ficou quietinha,
Sentindo a brisa vindo, concentrada que só vó temperando ceia,
A chuva lavou a terra de mansinho, a terra tremeu agradecida,
Logo criou nova vida e foi ela, a vida, que me apresentou a estrada,
O musgo, o mangue, a vida que me apresentou o sangue,
O sangue que jorra na tina e que suja a batina.

E eu que estava ali só para observar a flor,
Logo fui embora pra poder anotar tudo que vi,
E um dia, contar pros netos,
Que eu vi uma flor sorrir.