quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

A Menina e a Flor

Local: interior de alguma cidadezinha,
Horário: Manhã
Tempo: Nublado
  • bom dia rosa, bom dia margarida, bom dia azaleia. Ela Dizia todos os dias para as flores.
  •  Quem é que dá bom dia para as flores? perguntavam para ela, sempre espantados.
  • Ora, as flores nao me respondem somente porque não sabem falar, mas eu não ligo, sempre falo com elas.
  • Mas você está louca das ideias? onde já se viu! uma menina de tão boa saúde física falando assim com as plantas!

Mesmo assim ela caminhava todas manhãs pela parte mais florida do jardim, sorrindo, conversando e admirando as flores. Havia uma pequena gruta no final do caminhozinho pelo qual ela passara uma única vez. Lá de dentro ela ouviu uma voz fininha e bem baixinha que dizia:
  • Olá? tem alguém ai?
Ela se lembrou que já havia escutado o mesmo som ha algum tempo, mas nunca deu muita importância, porém, dessa vez ela quis averiguar. Chegou até a beira da gruta e disse:
  • Olá? tem sim, tem eu! quem é que está ai?
  • sou eu! ora! até que enfim voce me ouviu! eu te chamo todos os dias e você não percebe! mas que desatenta é você!
  • Poxa, me desculpe senhorita, mas eu não consigo vê-la, poderia vir até a luz para que eu a pudesse ver?
  • minha querida! isso é impossível, estou plantada em uma rocha e n consigo me mover! eu te chamo para que possa me ajudar, vivo aqui desde pequenininha e n consigo ver a luz do sol, gostaria muito de conhecer o mundo lá fora!
Ela caminhou devagarzinho até o ponto mais escuro da gruta e com bastante cuidado tateou o chão, sentiu uma pequena pedra, e mais outra, e mais outra e mais outra até perceber uma rocha bem grande, no topo dessa rocha ela notou um pequeno broto e ao lado do broto um caule macio de uma flor, folhinhas e pétalas, sussurrou bem baixinho:
  • É a senhorita quem falava comigo?
  • Sim querida, sou eu! será que você poderia, por gentileza me levar lá para fora? não sei qual é o gosto do vento, a cor das flores e sequer o calor do sol, me sentiria muito mais feliz ao ver o mundo de verdade.
Com muito mais cuidado do que antes, a menina pegou a rocha e com toda sua pouca força foi levando para fora da gruta, andava um metro e parava, mais um metro e parava, outro metro e parava, por fim, exausta, conseguiu levar a rocha para o lado de fora. 
  • COMO É LINDO AQUI! N SEI COMO PUDE PERMANECER TANTO TEMPO NAQUELA GRUTA FRIA!
  • Ora! a senhorita não tinha muita opção não é mesmo? como foi parar lá dentro?
  • Minha querida, quando eu era ainda uma sementinha, fui lançada ao solo por uma mãozinha macia e pequenina, com dedinhos gordinhos, mas antes mesmo de me enterrar no solo senti um vento do leste me levando e fui rolando e rolando e rolando, até cair naquela gruta. Depois disso uma chuva muito forte alagou todo o interior da gruta e me fez boiar até o topo daquela rocha, por sorte lá nas pedras havia um bocadinho de terra e foi lá que nasci
  • Minha nossa senhorita! mas que lástima! fico feliz em poder tê-la conhecido, agora posso leva-la para onde quiser! quem é que foi esse desnaturado que não percebeu que uma de suas sementinhas não havia sido plantada como as outras?! 
  • Quem foi eu não sei, mas tinha mãos macias macias como as suas, um olhar bondoso como o seu e um cheirinho que parecia o que sinto agora, era tão parecido que acho que poderia ter sido até voce!
  • Não!! eu nao teria esquecido de você!
  • mas se tivesse se esquecido como é que saberia que esqueceu?
  • É verdade, a senhorita tem razão!
  • Mas deixe disso menina! vamos ser uma família! já que pode ter sido a sua mão a me plantar, posso te chamar de mamãe? afinal todas as outras plantas tiveram mãe. Veja o salgueiro, ele teve seus filhinhos, veja as azaleias, tiveram suas mamães, até mesmo as hortaliças. Mas eu fui fruto de um acaso, não posso ter sido criada por aquelas rochas, mesmo em meio a dureza daquelas pedras eu nasci flor
  • E uma beleza de flor a senhorita me parece!
Juntinhas, a menina e a flor sorriam com os olhos calmos de quem espia a chuva chegando no horizonte.
  • menina, você pode me colocar novamente onde me achou, sei que lá é meu lugar.
  • De maneira alguma a senhorita volta pra lá, agora que a conheci seremos uma família e nunca mais vou desamparar você, vem! vem comigo!
nos ultimos minutos antes da chuva a menina pegou a rocha e novamente com toda sua pouca força e sua coragem ela voltou pausadamente pelo caminhozinho e chegou em casa. Ao pisar na soleira da porta da sala ela gritou:
  • Mamãe! mamãe! prepare mais um lugar na mesa, a senhora virou avó!
Sua mãe olhou com olhos sorridentes e entendeu logo do que se tratava, já que a menina, suja de lama, carregava a flor em seu colo como quem carrega um bebê.
  • Claro meu amor, mas antes vá se lavar e traga sua filhinha para comer conosco.

Naquele dia, naquele exato dia, aquela menina entendeu que família não é quem tem nosso sangue mas sim quem tem nosso sorriso.