segunda-feira, 9 de julho de 2012

Poema-santo

Poema-santo
Wesley Faria

O poema é um despacho na encruzilhada do peito,
O poema não é nada mais do que uma reza meio sem jeito,
O poema é um santo em dia de festa,
O poema é a vida que se vê pela fresta
E o poeta é o único capaz de puxar o ponto,
de deitar pro santo, de fazer sonar o gongo.

O poema é oq se quer ser e não se é,
O poema é o meio termo entre a carne e a fé,
O poema é, sem querer ser,
Queima sem se consumir,
consome sem embrutecer,
É o fio da linha do tempo,
E o poeta o tecelão.

Quando tudo for fim,
Só o poema falará de mim.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Santa


Santa
W.Faria

Teu manto, teu oratório, tua manta teu cobertor,
juntando verso e rima, cordeis por onde ela for.

Imagem e fotografia, a foto e a minha canção,
teu leito e a melodia, da palma da tua mão.
Tambores clamam teu nome, pandeiros, velas no chão,
a arte santa e insone, teu corpo santo no chão.

Um riso e um lampejo,
de janeiro a janeiro,
desejo, desejo e desejo.

O Tempo


O Tempo
Wesley Faria

E Deus, cansado de brincar no escuro,
Disse, "Que aconteça o tempo"
para que minha criação não durma ao relento,
E de invento em invento,
Foi criado o pai de cada elemento, o Tempo.

A lona negra do céu,
Cintilada por fagulhas,
Trazia presa em seu véu,
Desenhos de  curiosas figuras,
Passos largos, cuidadosas,
Eram homens e mulheres,
Bicho novo e apaziguado,
E o tempo os cobria a pele,
Feito o velho paletó aposentado.

E para não se sentir sozinho Deus criou o amor,
Que era para ter vida e luz, no caminho por onde for,
Amor, como retirante que tange boiada,
Vem lento e iluminado feito o chegar da alvorada.
Ele veio e ganhou espaço, o amor era seu mais forte laço.

E Deus sentiu que o amor precisava de um ser irmão,
Criou e testou tudo que pode,
Até que acertou na mão,
Criou o peito e no peito, colocou o coração,
O local ficou tão belo, com cortinas e varanda,
Que o amor não mais saiu e por hoje ainda anda,
Fazendo café e bolo, pintando a casa de douro,
Vivendo feliz e florido,
Deus em sua meninice,
Pode ter criado tudo e se ido,
Mas o amor fica,
E só é amor quando é bem vivido,
Mesmo depois da morte, se bem vivido foi,
Não existe quem no mundo pode,
Fechar a estrada por onde foi,,
Estrada que ele mesmo abriu,
Se embrenhou e depois sumiu,
Rangendo num carro de boi.

domingo, 1 de julho de 2012

Conto de um pequeno amor.


Conto de um pequeno amor.
Wesley Faria

Conta  a história de uma menina órfã que nasceu em uma pequena cidade do interior chamada Nova Esperança, filha de agricultores cresceu sem muito estudo e muito conhecimento do que vinha a ser o amor, sempre dedicada ao campo e as coisas de casa um dia, como era de costume, ela foi ao meio da plantação da familia e se deparou com um espantalho sorridente que lá estava, fazia sombra para as folhas novas e para os bichos que ali se deitavam, em um momento de introspecção sentiu que a mão do espantalho recaia sobre seu ombro, muito apavorada ela olha para o espantalho e diz, quem é você para tocar em mim? não sabe que sou pura de coração? neste momento o espantalho, aquele ser sem vida e sem luz responde a menina:

"como pode se julgar pura sem saber oq é a sujeira?"

ela se ajoelhou, olhou para a procissão de sentimentos que trazia no peito e percebeu que para nenhum deles ela poderia dar o nome de amor e perguntou ao espantalho:

- e como faço para conhecer o amor?

o espantalho olhou, com seu tom de terra envelhecida e suas vestes de judas e disse quase que sussurrando:

"para conhecer o branco, deve se conhecer o preto,para se ver o céu, deve-se ver a terra,assim, não se conhece o amor sem viver a tristeza e não se vive a pureza sem provar da sujeira,por isso quando quiser conhecer o amor,pense bem se já conhece os outros sentimentos, afinal, só quando conhecer a direção errada poderá imaginar um  caminho melhor, antes disso...
...toda contramão será o caminho certo.

Vestido-mar


Vestido-mar
W.Faria

O mar faz milagres
com a mente da gente
parece que lava oq tem por dentro
seca oq tem por fora
transforma a cor em sentimento
traz o distante pro tempo de agora.

olhando o mar não tem quem não queira
ser pescador ou ave praieira,
ser marinheiro ou barco a vela
contanto que o barco deslize no azul
e o azul seja a cor do vestido dela.

Teu calor meu frio

Teu calor meu frio.
Wesley Faria

Quando o véu rasgar e o vento então se por,
Vou pedir ao tempo, mais um tempo amor,
Quando o teu sorriso, florescer abril,
Mais do que eu preciso, teu calor meu frio,

Quando as ondas são demais
nosso amor é nosso cais,
Meu bem, pra que um porto
se morto vou sem ter razão
da vida que vivi.

Se um par perfeito é o seu sorriso
Junto ao meu, é paraíso
E para isso me fiz de bobo,
Pra escutar você telefonar 
Com a mesma voz de sempre
e me enganar.

Me fiz de são, sem ter razão, 
Sem o andor do amor,
Sou feito cor sem tinta,
Feito acorde sem instrumento
E nem o vento pode mais me carregar.

Quando o véu se rasgar
E o vento então convalescer na brisa
Vou chegar na maré mais cedo,
Sei que vou chegar,
Quando o teu sorriso,
Florescer abril,
Mais do que eu preciso,
Teu calor meu frio.


O último homem


O último homem
Wesley Faria


quando o último gole for derramado,
quando o último grito ficar rouco,
quando o lampejo for um lume riscado,
quando o último cristo ficar louco,
quando o calvário for um corte solto,
o homem entenderá seu valor,

Quando a última moeda perder seu brilho,
quando a última nota for rasgada,
quando a última estrela cadente tombar,
quando a última página for lida,
quando a última folha secar,
o homem entenderá seu valor,

Valor imaginário, dissoluto em barro seco,
valor seco, dissoluto em barro imaginário,
barro da vida, dissoluta em valores secos,
Secos homens caminharão sobre a terra,
tentarão semear as últimas farpas de vida,
tentarão aguar as últimas memórias de sonho,
ruminarão pesadelos nucleares,
colherão rosas de onde nem o lodo nasce mais,

Homens e mulheres migrarão, filhos em punho,
punhos de crianças servirão de brasões,
serão então imigrantes de uma terra de ninguém,
serão então imigrantes de uma terra de ninguém,
onde ninguém mora ou morou,
onde ninguém sonha ou sonhou,
onde ninguém caminha ou caminhou,
onde ninguém jamais existiu,

Quando o último golpe for dado,
e a luz tocar a fronte,
o último homem, de cima do monte,
desejará nunca ter entendido seu valor,

Quando o último golpe for dado,
e a luz tocar a fronte,
o último homem, de cima do monte,
desejará nunca ter entendido seu valor,
podendo assim caminhar com seu sorriso
entalhado a lâmina fria no rosto de mármore,
Desfrutará da doce ignorância que move os seres,
Caminhará com passos largos,
pisará na lama e verá jasmins,
sentirá envolto ao amor dos muitos,
mesmo solitário em sua prisão invisível,
caminhará onde ninguém caminhou,
existirá onde ninguém existiu,
Conquistará oque ninguém conquistou
e desistirá, quando ninguém desistiu.

Olhar de estrela


Olhar de estrela
W.Faria

Lá de cima, espiando,
como a senhora que espia pela fresta
A procissão passando,
E a acompanha a passo lento,
Feito folha ao vento,
O ir e vir da fila de sonhos,
Caminhando pelo oco do tempo,
Lá de cima, no cantinho do céu,
Onde o olho mal alcança,
A estrela, brincando no véu,
feito criança.

Viu o fogo no céu?
E o trovão? ouviu?
e eu pequeno daqui debaixo,
com olhar perdido no espaço,
contando estrelas que passam por mim,
E desenham no céu um novelo de linhas amarelas,
parecem velas, parecem telas.

Lá de cima, espiando,
Uma menina com vestido de flor,
sonhando, sonhando,
Sonhando com seu amor.

Minha gira


Minha gira.
Wesley Faria

Minha gira está dentro do meu peito,
Meu congá é meu coração,
Meu luar é minha vela,
Meu santo é minha mão.

Saravá ao peito meu,
Quer salvar o peito seu,
E assim na encruzilhada,
Água benta batizada,
o meu peito saravou,
o seu congá que já girou.

Atabaque é som de passo,
passo dado já não volta,
Corre a gira no meu peito,
Firma o sonho, vem e não não solta,
Que a gira precisa girar,
a roda precisa rodar,
a vela precisa queimar,
saravá peito meu, sarav

Passo Lento

Passo Lento
W.Faria

Santos homens maculados pela lâmina do tempo,
Santos homens imaginários, se tornam folhas ao vento,
Levam o tempo de antes, quando a cor era forte,
Levam no peito todo o mar, velejados sem um norte.

A mãe suspira a janela, olhar perdido no vão,
as mãos pedindo socorro, as bocas pedindo por pão.
No peito um oceano de lágrimas, por um filho que já se foi,
Levado pelo nó da gravata de linho, sentimento terno,
embalados pelo vinho, deixando o momento eterno.

Para quem se foi mais cedo, sobram os sorrisos da lembrança,
deixando tantos amores sozinhos, deixando ao léu a esperança,


Santos homens maculados, pela fome que desata,
Negros, brancos e mestiços, cujo nome não está na ata,
Atando a mão com sangue, sangrando pela própria perda,
Fome, reza, seca e pontos,
A gira da vida ao toque do repente,
De repente o santo caos maldito que carregam cães de guarda,
O santo cão de guarda, que carrega a vida entredentes.

Poeira na rua vermelha, poeira dentro do peito,
A vida que segue agora é só poeira,
É a espera de uma mãe que se deita,
Que ora por um dia de alento,
Que seca sua lágrima na cera,
Que encera seus passos no chão.

Santos homens maculados, pelo vazio do pão,
Todo homem é eterno, nada na vida é em vão,
A carne se deteriora, se deturpa e chora,
Pela vida que se foi, trocada por numeros e cifras,
Homens e mulheres invisíveis caminhando na procissão,
Agora, serpenteando no oco do tempo, pensamentos e saudades,
Agora, serpenteando no oco do tempo, o rolar de lágrimas e verdades,
E agora? quem vai usar o capelo, na linda celebração?
Quem vai sorrir dizendo "mãe, consegui" ?
Quem vai dizer "Mãe, venci"?

Vem filho meu, me visita em sonho, me toca a face,
com seu olhar risonho, vem filho meu, me enxerga nesse escuro,
me ensina a caminhar, com seu olhar maduro,
Diz "não mainha, não chora porque estou bem,"
Diz que de mim não espera nada, vem ser a "Reza" do meu "amém"

Vem filho meu, ri de mim quando eu errar,
Quando apertar o botão e o celular não funcionar,
Sorri pra mim e me ensina a ligar,
Quem vai me acalmar de manhã,
quando o acúcar acabar?
dizendo "calma mainha, eu busco, tudo vai melhorar"

Santos homens maculados, que deixaram um buraco
onde antes tinha vida, quando era um espetáculo,
A mãe segue a procissão e vai carregando sua cruz,
Reza apertando o terço, pedindo pra que seu filho no céu,
Fique amigo de Jesus, mal sabe ela que seu Senhor,
sem pressa em seu andor, caminha ao seu lado na procissão,
aos poucos, a levando pela mão.

Paisagem de criança

Paisagem de criança
W.Faria

Duas cordas balançando
Duas mãos girando em par
Duas pernas saltitando
Pé no chão, pé no ar.

Umas tranças se balançam
Um sorriso cai no chão,
Os pés que saltavam descansam
Outros assumem sua posição.

Um grito, um susto,
As cordas no chão
A mãe chama alto,
É o tom da refeição.

Um aceno, passos largos,
Par de pezinhos correndo,
Novos péz nos espaços vagos
Sonhos novos no sereno.

Pedra branca


Pedra branca
W.Faria

Pedra branca que alumia
quem por ela se passar
luz da lua sua guia
diz adonde que vai dar

Boiadeiro vem de longe
tanje o gado sem parar
voz da brisa ressoante
guia o passo pro luar

vai boiadeiro vai
que o mundo inteiro é seu,
Vai boiadeiro vai,
anda e vem pro peito meu

Vai boiadeiro vai
Nessa terra tudo dá
dá saudade do luar
e do bem que vai chegar

Vai boiadeiro vai
No galope que quiser
o seu passo mora longe
feito olhar de mulher

Pedra branca que alumia
quem por ela se passar
passa noite passa dia
só não passa o andar.

O verbo e a carne

O verbo e a carne
Wesley Faria

Entre o verbo e a carne existe o homem,
Que rasga a terra em busca do espaço,
Que rasga o negro do espaço em busca de terra,
Que enterra o passado em busca do hoje,
Que se esquece do hoje em busca do amanhã.

Entre o verbo e a carne existe o homem,
Que se derrota em busca de vitória,
Vitória, vitória plena, plena luz de outrora,
Luz, luz de agora, se esvaindo pela fresta da porta,
Porta, porta de ferro, porta-fé.

Entre o verbo e a carne existe o homem, o deus do agora,
O agora são as linhas do tempo na palma da mão,
O agora são as linhas, oração às linhas inimigas,
Oração de fim de noite quando o sono não vem,
E o sono vai e vem feito estrelas caídas pintando de novo o velho céu,
Pintando de noivo o homem frente ao véu da noite,
Você viu? a novidade passageira que cruzou o teto?
E como todo passageiro tem seu destino certo, você viu?

Entre o verbo e a carne existe aquilo que quero e o que não quero,
Existe a mentira e a verdade, a figura e a vaidade,
A mentira é o padre na hora de extremulsão,
Verdade é tudo que nos prende ao chão.
Entre o verbo e a carne prefiro aquilo que não vejo,
Pois aquilo que vejo não precisa do meu desejo.

Odoiá


Odoiá
w.faria

A barca apita no mar,
A preta corre pra ver,
A ponte vai balançar,
Traz o dendê
Traz a broa de fubá, acarajé,
Vem ver o homem chegar,
Vem ver a barca parar,
Com a bênção de Iemanjá,
Vai descansar.

Odoiá, Odoiá ô Sinhá,
Odoiá, só de olhar, tem poder,
Odoiá, Odoiá ô Sinhá,
Odoiá, só de olhar.

A tarde vai pro terreiro,
Agradecer ao Senhor,
Pedir a bênção ao guerreiro, seu protetor,
Não tarde seu Orubá,
De coração vai fazer,
Pra Dona Mãe Iemanjá,
Agradecer.

Odoiá, Odoiá ô Sinhá,
Odoiá, só de olhar, tem poder,
Odoiá, Odoiá ô Sinhá,
Odoiá, só de olhar.

O amor é chuva

O Amor é chuva
W.Faria

É como se a gente nascesse e morresse sem rumo,
É como se o céu brilhasse só pra nos ver escrever uma letra de canção e quando a gente escreve ele se apaga,
É um vai e vem de meio e vão que nos faz ficar sem rumo,
Um tal de quero ir, quero ver, quero descer ou subir,
É um sentimento diferente, não é raiva, não é amor, não é lógico,
É chuva, é poeira, é ar,
É pequeno e de tão pequeno é grandioso,
Como se não quisesse ter forma,
Um sentimento que faz lembrar de quando pequeno,
O bater de panelas na cozinha, o doce de goiaba na mesa,
Um sentido antigo logo ali, incrustado em tudo no presente
E o presente morre a cada noite,
A cada madrugada que se explode,
O presente é pedra no caminho do amor,
O amor é uma pedra no caminho,
O amor é pedra,
O amor é caminho,
Mesmo sem ser nada,
O amor é chuva.

Quem volta do mar


Quem volta do mar
W.faria

Num canto de Iara percebo a mudança das ondas,
A lestada forte que renoa o negrume das águas.
Os pescadores que se entrelaçam com a neblina
E a neblina que definha lentamente rumo a praia.
O perfume suave da manhã que começa tomar o cais
Num turvo amanhecer que se despe para o dia vestido de sol
O negrume, agora pardo, se transforma num verde água apaixonante.

O mar e o dia parecem sorrir,
Vejo calcanhares molhados,
Pescadores contam suas piadas no bar mais próximo
Mas logo vão pra casa
abraçar suas esposas, flores morenas, louras, multicores,
Que aguardam para ouvir da noite na lida,
Logo vão conversar com Deus,
Olhar nos olhos de suas filhas e abracá-las.

Tomar um café e afagar seus cães.Logo irão dormir.
E tão logo o mar os tomarão novamente e, sutilmente, se vesitirão com a turva e doce neblina, neblina que vem, languidamente, apagará o colorido do mar, dos barcos. Por fim tomará seus corpos descansados mais uma vez, mais uma noite
até que um dia, não mais havendo surpresa, ninguém mais volte da boca da noite.

Flor da Candeia


Flor da Candeia
Wesley Faria

Na acinzentada lua branca,
uma luz toca o chão frio da varanda
A cadeira debaixo da janela,
umas roupas no varal,
Um livro de nietzche,
um de bretch ou de suassuna,
não consigo ver direito o autor,
Aqui deste quintal,
Aliás, não sei nem se nietzche existiu de fato,
Já Cancão, Zé da Luz e Suassuna eu garanto o relato.

A luz vinha de leve e temperava a plantação,
Enquanto o café bulia o cheiro da paz feita a mão,
Um perfume de flor branca me arrancava do chão,
Escrevia verso e poesia, na mente, no peito e na mão,
via a cor da luz do dia, No meio da noite, bem no vão.

A casa, de escura se transformava,
Quando ela, devagar, passava,
Do quintal eu posso ver,
Luzes feito asas saindo de suas costas,
Uma saia engomada, com fitas brancas bem postas,
E Um andar assim macio, feito orvalho na roça,
Eu de longe espiava, que era pra não ser notado,
Afinal nunca deu em coisa boa, espiar envergonhado,

Para espiar é preciso ter coragem,
Pois se tudo der certo como é que se vai fazer?
Não se pode deixar a ocasião, aos poucos covalecer,
Então para olhar ligeiro, mesmo assim sorrateiro,
É preciso muito mais peito do que galo de terreiro.

Ainda mais para espiar uma moça tão distinta,
Que merece só se olhar,
Pra tocar com a mão já grossa de tanto trabalhar,
É preciso botar luva, pra sua pele não arranhar
Mas a moça ia e vinha, acho até que se engraçava
Pra um moço mieo sonhador que de longe a observava.

Eu, tremendo de tanto frio, ou de tanto medo mesmo,
Não consegui manter o semblante de homem caminhante,
Que não estava observante, tava mesmo só passante.

Enquanto eu me aprimava, a lua se apagou,
Feito nuvem que se vai e a moça se adentrou
na casa de vosso pai,
Todo dia eu espiava, quando voltava do trabalho,
procurando aquela moça, aquele cheiro, naquele horário,

Nunca mais eu vi a moça, Nunca mais o cheiro bom,
Nunca mais a luz da lua, nunca mais o velho tom,
Mas quem sabe ela volta um dia, com sua pele macia
e seu cheiro de flor, seu andar ajeitado,
que me carrega por onde for,
E resolve dar uma olhada,
pra esse jovem escritor.

Exrio


Exrio
w.faria

Mover o rio,
Dissipar o pó.
Cortar o tronco,
Cortar sem dó.

Parar a canoa,
contra o vento e o nó.

O sumo não derrete ao sol,
O sumo sacerdote não se equivóca,
É de fé e de cera sob os pés da santa,
Onde as mãos se queimam e o povo pranta
é de fome, de pé na terra que ela dança,
criança, sanidade da lembraça.

Tentam e atentam os olhos embutidos de água doce,
ribeirinhos frente ao rio que ruindo tenta se salvar do açoite.
E a sangria desaguada corre pelas matas séquidas do sertão.
ta certo não, ta certo não.

Almas Secas.


Esse blog reúne poesias que falam sobre a batalha pela liberdade religiosa e pelos versos que nos falem sobre nossa terra.

Almas Secas.

W.Faria

Aqui tinha um rio,
Aqui tinha um rio,
Não! eu não estou louco,
Aqui tinha um rio.
Aquieta meu coração minha mãe,
Minha alma enevoada, avisa ao dono de lá que por aqui passava um rio,
Aqui, onde agora é seco,
Onde agora é morto,
Onde agora é torto,
Onde tem pó e osso de boi,
Daqui a água se foi,
Aqui onde piso, outrora nadava.
Aqui tinha um rio, eu não estou louco, não estou louco,
Sei que tinha e agora seca tem,
Sou herdeiro de um curral de almas,
Que se perdem afogadas num rio fantasma,
Almas secas minha mãe,
Almas secas meu pai,
Molha com teu olhar chuvoso,
Teu bocejo de neblina,
Teu arroto de trovão.
Aqui, bem aqui, por onde passa a procissão,
Passava o rio cheiroso,
Que rasgava o bucho do chão,
Lavava criança, gado, velho e moço,
Dava de comer ao sertão,
Agora, do pó nem barro se ajeita,
É uma terra estreita,
Que migra magra e espreita,
Feito o abutre que espera paciente,
O fim que chega latente,
Almas Secas castigadas, que ruminam sonhos bons,
Almas Secas fatigadas, que esqueceram oque é sorrir,
Tem pena delas minha mãe, tem pena delas meu pai,
Tem pena delas, essas almas que se vão amontoando sobre a terra vermelha do chão,
Almas Secas que se vão, pra o outro lado de bucho vazio,
Chegam aos montes sussurrando,
Que por alí passava um rio.

Projeto Olorum