terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Reza na Rua Vermelha

Reza na Rua Vermelha
Wesley Faria 

Era tarde, eu me lembro, vela acesa. 
Pouca gente esperava na sala. 
Pouca comida parava na mesa. 
Um barulho de trovão, uns meninos apertavam as mãos,
Cada estalo era o início de outra oração, porque não se pode terminar oração com barulho de trovão. 
Eu, pequeno, sentado e olhando, registrava cada cena, nem sentia o cheiro da poeira da rua vermelha
A chuva caía de leve, as calças todas manchadas na beira, um vermelho-barro-sujo, uns dez chinelos na esteira...e o cachorro latiu com medo, Dona Nair disse depressa:

"Oh! Menino! Vá ver! Que a reza não pode parar!"

E lá fui eu na chuva e no barro, saltando as poças e tremendo com o barulho dos estalos,


"Corre menino, abra aqui! Não vê que tá chovendo?!"


Eu parei, na verdade não fui eu quem parou, foi o mundo que parou de girar, só pra ela não se molhar. A água parou de chiar, a tarde parou de cair, o cachorro parou de latir e o sol paralisou, lá no ar.
O tempo preso na cuia, a reza parada no meio e ela num vestido vermelho, me olhando na porta da frente.
Eu, besta e sorridente, com o estômago revirado de tanta borboleta que voava lá dentro, abri o portão e ela passou.
A barra da saia dela lambia o barro do chão, e lá fiquei...

Tentando entender a primeira vez que uma santa chegou atrasada na oração.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Entre padres e ladrões
W.Faria

Olha tua mão, vê as linhas que a cruzam?
De fato não entende que são as mesmas que lhe guiam,
Olha teus pés, vê o formato de teus dedos?
Não se assemelham aos de tua mão
E ainda assim convivem em uma união íntima e incorruptível.

Teus olhos, distintos, ora cegos ora clarividentes,
Conduzem teu pensamento para dentro daquilo que lhe convém,
Não toca mais tua canção, não toca mais os corações,
Não fala mais do teu amor, cálido e brando como o céu entrebranco.

Pensa em ir para o alto sem perceber a putridez do chão de onde vem,
Sugere lindas melodias sem ter força para romper teu silêncio,
Ainda recosta em teu leito como fazia todas as manhãs?
Ainda ora para um deus terrível com aqueles que o abominam
E afável com os que o amam?
Ainda crê em um gramado frutífero em comum união?

Rasga tua veste e veste oque te sobras,
Assim conseguirá o vigor em tua obra.

Por fim, olha tua mão, vê que tudo que quiser é teu,
Do teu corpo fazes aquilo que bem pensar,
E no final, lembra-te que só é teu aquilo que puder carregar.