sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Cria de um sabiá.


Cria de um sabiá.
W.Faria

Se um dia eu começar a avoar,
Não venha dizer que é surpresa,
De longe dá pra me ouvir piar,
Cantar a cor da natureza.

Se um dia eu teimar em pousar,
No varal da dona Tereza,
Ela vai querer me arrebentar,
E vai chorar de tristeza.

Varal nenhum há de aguentar
Tanto peso que carrego,
É um peso mesmo medonho,
De tanto sonho que rego.

No colo da minha mãe
Me lembro de ouvir falar,
De ter nascido um menino,
Que podia até avoar.

Mas não lembro de ter visto
Um diazinho sequer minha mãe dizer,
Que ia me levar pra um galho,
Pra eu aprender a descer.

Cresci mesmo meio sem jeito,
Com umas roupas de dar dó,
Menino brincava de carro,
De corda, peão e cipó,
E eu gostava quando um raio
Caia e levantava pó.

Minha mãe e pai não entendiam
Falavam :

"Minino pó pará,
ocê não é fio do vento,
pra querer só avuá.
Trate logo de se assentá
E ficá inguá todo mundo,
Que que o povo vai dizê,
Quando a notícia corrê,
Dizendo que fio meu,
Sartô do coqueiro maió,
Se arrodô, girô caiu,
Se estabefô no mei fiu,
Ahh minino, tenha dó."

Hoje eu posso entender,
Que não adianta correr,
Quando a gente nasce com asa,
Não dá pra tentar desnascer.

Tem muita pedra aqui em baixo,
Tem pouca cor, é o que acho,
Tem muita usina e cimento,
Tem pouco bitu e jumento,
Tem muita mentira falada,
Tem pouca verdade inventada,
Tem filho de seu doutor,
Que tem filho e não registrou,
Muita farsa, geringonça,
Pouco rio, riacho e onça,
Muito santo e pouco milagre,
Muito vinho e aí sim, muito vinagre.

Meu lugar não é aqui,
Soube desde que nasci,
Nunca gostei de andar,
Pulava pra economizar passo,
Crescia pra inventar espaço,
E agora que me entendo,
Sei que o que digo é remendo,
De uma verdade sem graça.

A cidade, a usina e a pracinha,
Um dia vão se acabar
E eu que não fico esperando
Tudo desmoronar,
Já que nasci cantando,
Hoje em dia ando treinando,
Pra poder me disparar,
Vou rasgar o céu bem cedo,
Quando ainda é alaranjado,
Vou ficar quieto em segredo,
Escondido atras da nuvem,
Quando ouvir o sino bento,
Vou saber que é relento,
E que já posso pousar,
Assim, quem sabe o povo enxerga
Que não sou filho da terra,
Eu sou filho é do ar,
Minha mãe só me criou,
Porque ficou sem jeito,
De dizer que com respeito,
Ela criava um sabiá.

Viver versando

Viver versando
Wesley Faria


Ahh, eu gosto tanto de viver assim versando,
A vida é mais bonita quando o dia vem chegando,
A gente se ajeita na cama, apaga o lampião de gás,
e vai logo pra janela celebrar o que o dia traz,
Um cheirinho de café, quando a gente escuita o bule,
Corre logo pra cozinha pra acordar mais depressinha.
Um rádio toca baixinho, um som de seresta e prosa,
Um cheirinho de goiaba misturado com flor de rosa,
O galo canta sem graça, o beija-flor já vem chegando,
Ahh eu gosto tanto de viver assim versando.

Uma velha bem velinha na beirada da janela,
Faz a prece e bota a santinha do ladinho de uma vela,
A broa já ta no fogo, com cheirinho de canela,
E os menino esperando lá fora a condução levar pra escola,
Uns com os olhinhos fechados, outros não dão muita bola,
Um corre apressadinho, acho que perdeu a hora.
A enchada com o sorriso na cara, esperando ser empunhada,
E o lavrador de cara já lavada caminha pra dentro da terra,
Que espera ser lavrada.
O café vai se acabando, a fivela se apertando,
Ahh eu gosto tanto de viver assim versando.

Ali perto um riacho, uma bica e um girassol,
A mocinha corre logo pra estender o seu varal,
Um cacheiro vem fumando, um matuto reclamando,
Cancioneiro se cansando, os cansados já sonhando,
Sonhadores se levantam e os de pé nem se amedrontam,
O riachinho lava a cintura, as águas levam a espuma,
O gado lá longe espia, bem-te-vi canta, gato mia,
Uma cena radiante, faz a gente ir mudando,
Ahh, eu gosto tanto de viver assim versando.

A vida no interior é que é boa, tem mais serra, mais lagoa,
Mais poesia, mais tempo a toa, mais toada, mais trovão,
Tem mais chuva, mais garoa, tem viola, tem terreiro,
Tem trabalho o ano inteiro.
E no final quando o dia acaba, vem passando um boiadeiro,
Vem guiando sua boiada,
Os menino correndo atrás, passarada em revoada,
E o boiadeiro com berrante vai gritando sua chegada.


Meu trabalho já ta feito, já registrei toda cena,
O sol vai cochilando, caindo por trás do morro,
E eu já vou caminhando, vou pra outro povoado,
Dar poesia, dar socorro.
Vou tocando violão, um acorde ou dois no máximo,
Erro toda hora o tom, mas sei que não erro a mão,
Porque toco, canto e verso, com a voz do coração,
Simples e sem dinheiro, vou de nuvem em nuvem,
Sem paradeiro, até que um dia encontre,
Meu vozinho brincando de guerreiro,
Numa guerra branca e fofa, feita de tanto travesseiro.
De repente uma nuvem cai e vejo um velhinho levantando,
Ahh, eu gosto tanto de viver assim versando.

Meu vozinho bem que sabe, bem que disse e é verdadeiro,
Que um dia a gente se encontra, ganha quem ver primeiro,
Vou buscando, procurando, em cada forma de nuvem,
Eu afirmo e não duvido, meu vozinho tão lindo está,
Em cada verso que digo,
Enquanto não o reencontro, vou por ai vigiando,
Cada nuvem que vejo fico aqui debaixo inspecionando,
Se uma me dá um sorriso, sei que é ele me vigiando,
A noite caindo lenta, estrela me alumiando,
Vagalume pisca pisca, vem pelo breu salpicando,
Mariposa roda a luz e a lua assume o trono,
Ahh eu gosto tanto de viver assim versando.

A lenha estala alto, molecada vem chegando.
Sinhá dona traz café pro moço que ta capinando,
O cavalo já nem trota, passo largo, meia cela,
Risaiada pela rua, a velhinha acende as vela,
Acende uma pro anjo, uma vai na romaria,
A igreja se ilumina, é hora da sacristia,
A praça fica lotada, viola com companhia,
E a lua é lamparina pra trazer a luz do dia,
Digo adeus ao povoado, agradeço a moradia,
Vou pra estrada novamente, levando minha poesia.

Numa mão minha viola, na outra o desencanto,
Que pra o apego não me tapar a vista, enquanto estiver voando,
Mais um dia uma cidade, uma prenda sem desengano,
Ahh, eu gosto tanto, de viver assim versando.



segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Passarinho

Passarinho
W.Faria

Quem conhece mesmo a vida,
Trate logo de dizer,
Quem sabe de margarida,
De paixão, de amanhecer,
Quem sabe de rio gelado,
Que faz a pele esfriar,
Conhece um sabiá no galho
E uma muda de Ingá.

Quem nunca chorou de saudade,
Vendo o sol morrer de tarde,
Quem nunca quis que os dias,
Não nos dessem mais idade,
E um dia a gente olha,
Vê da janela lá fora,
Um mundo novo a esperar.

A gente se aquieta um pouquinho,
Percebe que nosso ninho
É mesmo nesse lugar,
Quando o amor canta de leve,
Nos fazendo adormecer,
A gente percebe fácil,
Que faz bem amadurecer.

Bom mesmo é plantar semente,
Pra o mundo inteiro colher,
Deixar um broto da gente,
E cultivar pra crescer,
Tem dias que dá saudade,
Quando a flor completa idade,
Mas sabemos que um broto,
Precisa de chuva pra viver.

E quem conhece mesmo a vida,
Trate logo de dizer,
Não há amor de verdade,
Até um filho nascer,
Depois disso colo é ninho,
Braço é asa e pé é caminho,
E até poder voar sozinho,
Todo filho é passarinho.

Vinte anos de solidão


Vinte anos de solidão
W.Faria

No sertão cabra macho também pia
quando a seca devora a plantação
quando q chuva não faz a companhia
é jiboia caçando de facão
feito ave maria mal rezada
todo o dia se arrasta pelo chão
a poeira se esconde entre os dentes
é a peleja do cego em contramão

Até o padre suspende a igreja
essa noite jesus não vem rezar
foi-se embora de sede e de fome
trabalhando em um canavial
e os olhos de tantos desprovidos
fome é grande mas é menor que o sonho
que se esconde atras de cada verso
do menino e do velho risonho.

No sertão cabra macho também pia
quando vê a mãe preta falecer
é o momento que tanta valentia
perde feio pra o entristecer.

Tange o carro de boi na rodovia
na poeira do sonho que ficou
deixa a casa de palha abandonada
segue em rumo da estrada que encontrou
o retrato da mãe recém matada
pela peste que come o sertão
leva junto do peito bem guardado
no tão amarelado coração
vai tentar outra vida de formiga
depois é mais vinte anos de solidão.

Eu do Mato


Eu do Mato
W.Faria

Gosto mesmo é de comer amora, goiaba e comer jamelão.
Rir um riso frouxo com os lábios roxos em profusão.

Gosto de andar descalço, leve, solto feito bicho, feito flor,
feito o morro que ninguém alcança.

Gosto é de nadar no rio, sentir o friozinho gelar a nuca,
caçar rolinha, roçar a relva e me vestir de flores e cipós.

Gosto do gosto de mel, não o enlatado, esse não me agrada não,
gosto do mel natural, aquele que é difícil de pegar e dá mais prazer em comer.

Gosto do cheiro do vale,
do canto do sanhaço, gosto de celebrar a vida ao léo, sob as estrelas
Sobre o topo brilhante do morro ao longe.

Por fim, gosto de ser a melodia do vento e sussurrar meu nome por onde passo,
assim, deixo um pedaço de mim por aí, pelo mundo e me torno ser sem dimensão,
difuso no ar, caído na grama e cheirando a jasmim, sou mais feliz assim.

domingo, 24 de novembro de 2013

Negro-deus


Negro-deus.
W.Faria

Mesmo que quedem os astros, mesmo que desatem os nós,
mesmo que o inferno se gele, ainda estaremos a sós.

Mesmo em meio ao nevoeiro de gente, com gritos e faces latentes,
mesmo que os anjos caminhem pela fresta podre do mundo,
migrando norte-sul, num ir e vir vagabundo.

Mesmo que a dor das aldeias incendiadas pelo fogo branco,
Alcance as veredas do céu, criando nelas um ambiente brando,
e as cores dos cocares se tornem pálidos quadros na parede da vida.

Ainda assim, torpe, sujo, inerte e pálido,
Surgirão do rastro de pó vermelho,
Como um relâmpago rasgando o céu,
Um homem mouro, vermelho-douro,
Moreno nobre, um negro deus que salva réus.

Erguerá em voz altiva que ainda tem e sempre terá,
A flecha decisiva que findará o conflito das cores,
A flecha que voa qual bala que brilha,
A mão do arcanjo envolta em neblina,
O passo da viúva ao lado do cortejo
Rumo ao fim, rumo ao último beijo.

Lançará mão do teu eu mais íntimo e será o eu-coletivo,
Vivendo do som dos tambores, açoites de um tempo que passou,
Negro-deus, pai de poucos, voz de muitos, deus dos loucos,
Dirá com certeza na voz que já se quedaram os astros,
Se desataram os nós, e mesmo assim ainda estamos a sós.

-
Um poema para quem vive crendo que o salvador virá, ele já veio e já foi, ele vem a cada dia, ele vai a cada minuto, como um cacheiro viajante, um aviãozinho do morro, que leva pra cima o pedido de socorro. Um poema para quem crê que somos deuses, cada um de nós com seus discípulos e missões e principalmente, calvários.

A Procissão



A Procissão
W.Faria

Lá, encravada na palma da mão,
Entalhando a alma no chão,
vejo o vento tocar o rosto,
da velha na procissão

Lá, rugas e suores,
penas e cantares,
fitas e velas,
Pés no chão e seus pesares.
Calçando os pés de lama,
pintando um mundo sem telas.

Vê,
vê como se move de maneira líquida,
vê como acompanha o caminhar,
como contento por um alguidar,
Rasgando o  mundo a cada passo que dá.
A procissão a serpentear no oco do chão.

Vê o olho que lacrimeja?
guardando a velha lágrima de estimação?
O caminho, a pausa e a ladainha,
é a jornada seca encravada na palma da tua mão,
tem medo não, tem medo não.

Calma e se Acalma

Calma e se Acalma
w.faria

Feito canto de vó na varanda,
Feito de doce e mel de juá,
Feito só pra você não ter pressa,
Fiz de tudo pra te acalmar

Emoção não tem hora ao certo,
Chega sempre antes do luar,

Feito a ave que voa sozinha,
Procurando ninho pra pousar

Dá tristeza em ver esse tom,
colorir de vermelho o marrom,
essa voz tão de leve se cala,
Imitando o som do trovão

Queira sempre andar de mansinho
Pois combina contigo esse som,
Do seu passo bem devagarinho
Feito vó que te canta canção

Calma e se acalma,
Tudo é lindo, preste atenção,
Calma e se acalma
Ouça sempre essa minha canção.

Nascemos Prontos


Nascemos prontos.
Wesley Faria

Nascemos prontos, o mundo é que se forma ao nosso redor. É como se tudo tomasse forma ou se realocasse em seu verdadeiro lugar, as meias se escondem debaixo da cama, os botões se recusam a fechar as camisas sociais já amareladas pelo tempo e pelas muitas idas à maquina de lavar. Os olhos finalmente secam suas lágrimas e as mãos finalmente lapidam aquilo que sonham as mentes.

A estrada se tornou longa quando dei o primeiro passo, mas depois de colocada a primeira peça não se pode voltar atrás, os passos que seguiram surgiram feito gotas em inicio de tempestade, molham primeiro o vidro da janela, escorrem até o jardim logo abaixo do vidro e esta mesma chuva, que tanto assusta, se transforma em vida para flores e para a terra.

A vida se encaminha de colocar cada coisa em seu lugar, cada sapato no pé correto e cada pé no caminho certo, mas as vezes amigo, as vezes demora pra se encontrar a direção, enquanto isso não acontece é melhor se prevenir, ter certeza de que está cantando no tom certo, mas antes de ter esta certeza é cabível o erro, é cabível o medo, aliás, o medo sempre é cabível em qualquer situação, é graças ao medo que aprendemos a nos defender.

Quando o primeiro brinquedo caiu do berço foi o medo quem nos impediu de nos jogarmos no chão e se nos jogamos foi o medo quem nos mostrou que cair faz parte da vida, mas dói amigo e dói muito.

As coisas se completam, devagar a estrada desenha o horizonte e não o contrário, não é o horizonte quem desenha a paisagem, é a paisagem quem cria um horizonte, o horizonte nasce da mistura do que temos com oque queremos ver.

O cantarolar da mãe é quem ensina ao filho que a paz está dentro de nós, não sendo preciso gritar por ela, correr por ela, matar por ela, é preciso apenas viver por ela, a paz interior é o hino que toca baixinho quando o corpo perece.

Não existe moldura na vida, a vida é a sua própria moldura, e nós? Nós somos a tinta do quadro. Essa tinta tem o tom que desejamos, aliás, tem o tom que decidimos que ela terá, tem as peças que damos à ela, as manhãs constroem as paisagens de acordo com nossos passos, sendo nossa a responsabilidade de entregar a peça certa.

Somos nós quem giramos a terra e não o contrário. Experimente o chão, ele é mais próximo que você poderá chegar da força, absorve cada lágrimas que cai e ainda assim nos sustenta. O mundo é pequeno demais para quem tem o sol dentro do peito, deixe o sol iluminar quem passa e lembre-se de que cada luz que emite é uma chama que o consome e em breve toda luz acaba. É hora de caminhar em direção a nós e não ao horizonte, afinal o horizonte é construído a cada passo e nós,
Nós nascemos prontos, o mundo é que se forma ao nosso redor.
A chama que consome é a luz que vem de dentro,no final, dá no mesmo, tudo é vida.

sábado, 23 de novembro de 2013

Reza de retirante


Reza de retirante
W.Faria

De toda a vida em diante,
Do pôr do sol e luar,
Da reza do retirante,
Da mancha de óleo no mar,

Da cruz da corôa de espinho,
A minha eu que vou carregar,
Eu movo as pás do moinho,
Eu planto o que me saciar,

Eu rasgo o ventre da terra,
Derramo a vida por lá,
Me colho as vezes maduro,
As vezes sem madurar.

Os movimentos dos braços
Cavando o bruto do chão,
É o movimento que faço,
Plantando o fruto no vão.

A vida só pode dar,
Aquilo que se plantar.

Barcos.


Barcos.
W.Faria

Um barco, lestada forte, pescado vindo do norte.
Morena a beira dágua, olhares entregues a sorte,
A luz que recai na areia, colore os pés da sereira,
Morena feito noite sem luar.

As flores lancadas à água, revestem a Dona do mar,
Rainha das belas candeias, Senhora, Odoya, Saravá.
Os barcos, pequenos navios, Pintados de tons tão macios,
Deslizam e tropeçam nas ondas, no tapete da grande maré,
Vão levando sonhos belos, desejos, sorriso e choro,
Os pequenos, delicados, se escondem sob os pescados,
Em alto mar tem tons de cobre, adiante tem tons de ouro,
Barcos feitos pelas palmas e velejados pela fé.

para Yohana Mazza...com fé e afeto.

Cabeça de Bacia


Lavadeiras sempre me ensinaram a viver em um mundo que se renova, como o rio, a cada segundo. Assim não existe um só momento no qual não olhe para um rio e tente me igualar.
w.faria


Cabeça de Bacia
W.Faria

Pai, quando não houverem mais mentes fora d'água,
Rogo pelos que sofrem com a vida beira-rio,
Quando não houverem mais credos calcados na moeda,
Rogo paz para aqueles que vivem com a vida enlameada,
Que vivem a vida de erguidas e quedas.

Pai, o mangue que dá vida dá também a cor da lida,
Transforma a reza em cantoria e faz do sonho dor parida,
Pai, leva meu atalho pra bem perto de você
E mostra teu no nevoeiro pra que assim eu possa crer.

Peco sei que peco mas aprendemos com você,
Pois teu filho só é filho quando imita oque se lê,
Aprendi a paciência com as mulheres d'água,
Que carregam suas roupas em seus cestos prateados,
Aprendi com seus passos que sapateiam no guizado mouro,
Feito o riso envolto ao choro das mulheres ladainhas,
Das mulheres verdadeiras, com cabeças de bacia,
Com seus filhos ainda no ventre e a voz leve e macia.

Pai, sei que escuta os pesares, sei que lê as cartas breves,
Porém um dia, se quiseres entre e veja oque passou,
Antes da nuvem de mágoa, antes do trovão que a rasgou,
Quando não houverem desculpas para explicar quem vai,
Quando não houverem línguas para dizer que o tempo chegou.

A Lista

Forasteiro de mim

Olho D'Água

Olho D'Água
W.Faria

O rio que rasga a terra,
Que traz pedra, peixe e vida,
Da de beber a bicho, e gente,
Gente que nem mais acredita.


Com seu lençol transparente,
Move o mundo num repente,
E faz o mangue criar vida.


Meus pés se calçam de rio,
O rosto se vê já tremendo,
E a água não é nunca a mesma,
Vai por aí se refazendo,
Recriando movimentos,
E se moldando ao tom do vento.


As beiradas ensopadas,
Em leve deslocamento,
Se aquietam ligeiras,
Quando surge o barravento.


As mãos da moça que enxágua,
Fazem torpes unhas e saias,
Mas lavam os sonhos mais belos,
castelos, farturas e praias,
Chegam a sonhar em ser rio,
Para irem se movendo,
Em puro molde do tempo.


A beira do olho d'água,
Uma doura mulher me chama,
Me sorri e me acena,
É quando o rio se inflama,
Rasga o peito e se derrama,
corre nas veias as curvas de suas águas,
E os pés, já calçados de rio,
Dão leves e lentas passadas.


Foi lá, na beira do olho d'água,
Onde minha mãe chorou,
Onde meu avô se sentava,
Com a vara de pesca moída,
E o anzol velho e torto,
ficava lá toda a vida,
Esperava o peixe suposto,
Voltava de mãos abanando,
Dizendo que o peixe maior,
Vinha mesmo lá pra agosto,
Aí voltava pra casa,
Com um sorriso largo no rosto.


A água tem dessas coisas,
lava, leva e se refaz,
desaguam nelas os sonhos,
E criam-se muito mais,
Sorrindo, como o rio, me vou,
No mesmo rio comprido,
Onde minha mãe chorou.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Quando nascem as marés


Quando nascem as marés
Wesley Faria

I - Frente ao mar a morena chorou.

Nas dobras do sorriso existem mares de saudade,
Cujas águas tecem leves ondas e se quebram no vazio do agora,
Ondas bordadas com esbranquiçadas orações,
Rosários ponteados aos prantos,
São marés derradeiras,
Navegadas, permeadas,
Abraçadas por longas naus,
Que se iluminam pelas velas dos olhares que não se apagam frente ao imenso mar.

"Ele vem, me prometeu arpejos solfejados aos meus ouvidos,
Prometeu-me arrancar as âncoras do peito e poupar-me as pegadas e os castelos arenosos frente ao desejo de encarar a embarcação de sua saudade e combatê-la com o cais do meu corpo".


II - As velas de um barco tardio.

Ensinar ao vento o caminho,
Sempre em frente,
A embarcação cortava o negro espelho de céu,
Mirava o porto e seguia seu curso nostálgico,
De proa a popa entalhes de maresia.
O balançar do casco desenhava cinturas na água,
Coloria o mar com as cores do cabelo dela e cantava
Seu som assoviado no vai e vem da gélida água noturna.

Já era possível ver o vento que cintilava seu brilho de microgrãos de areia tocar os cabelos dela,
Lançarem o perfume ao ar, que pela piedade divina da saudade carregava até as velas da casa marinha que encurtava a distância e aumentava o palpitar cardíaco da flor na beira dágua.

III - O choro de Oxum

O casco se apruma em meio as madeiras mal pregadas do velho porto, os passos tornam-se flechas rumo a pequena escada feita de tábuas semi apodrecidas pelos suspiros das águas.
A luz no peito dela se acende mais que o sol de fim de tarde que se jogou no mar,
Olhares infantis e um leve suor na face de candeia.

As velas caem, aportam-se todos os abraços pertencentes a suas senhoras,
que por sua vez conduzem os acordes das canções lavadas a bebidas até suas casas.

Um som seco de passo faz a velha ponte ranger,
A a notícia lhe toma o peito como o fogo que consome a palha seca,
O mar se torna pequeno frente a tanta água que brota dos olhos dela,
Que de iluminados se tornam tochas que se apagam com as dores, pouco a pouco.


IV - Flores ao mar

O sol beirava o horizonte quando a areia consumiu de vez suas mãos espalmadas na praia.
A lama produzida pela dor do amor perdido nas águas turvas de um mar bravio
Foram as últimas gotas produzidas por aqueles olhos negros,
Olhos cor de mar, olhos cor de saudade.

Seus passos tomaram rumos desconhecidos,
Seus cabelos uniram-se ao suor do corpo frente ao oceano.

Lentamente seus pés cortaram a primeira onda da manhã,
Cruzou a primeira pedra submersa,
O corpo aparentando sua semi-crucificação tornou-se mais leve que sua alma
E deixou-se levar pela cor do dia,
Fez-se tarde e por fim criou raizes feito algas em chão de onda e seus olhos que miravam as primeiras estrelas com suas luzes brancoazuladas agora miravam as estrelas d'água com seus tons róseojuvenis.
Seu suspiro submerso é agora o moinho para os barcos que e galés, pois antes do pranto dela não existiam as marés.


V - Males e marés

São demais as dores desta vida,
E quando a dor é quem ensina não existe quem não aprenda,
A dor da morena que clama agora é a valsa cantada que ensina que cada açoite é uma onda que bate, é uma lestada da noite,
E a noite nunca se refaz quando um amor acaba,
São os olhos que decidem as profundezas, as densidades e os pés,
e cada um rema seus medos, seus males e suas marés.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Um conto de minha mãe

Um conto de minha mãe.
Wesley Faria

Lembro de um dia desses ter acordado com um vazio no peito, parecia até que o sereno tinha recoberto meu coração, como aquele frio que queima a plantação, frio que faz pardal sumir, beija-flor se aquietar no ninho escondido em um pé de flor e de biquinha fechada torcer para o vento ir embora, era isso, naquele dia acordei com vento dentro do peito, fazia eco quando soava pelas paredes do meus medos mais profundos. Levantei quieto e olhei o relógio, como de costume me atrasava para o ofício, me ajeitei depressa e logo me despedi do povo de casa, pensei ter deixado o sereno todo pelo caminho, ou que o banho tivesse esquentado meu peito e que o sereno fosse diluído, dissolvido pela temperatura branda de riacho raso.
As molduras da lembrança são como correntes em nossos pés, são calores que avermelham as mais pálidas faces, faces de trigo recém nascido, faces de nuvem. Lembro que já sabia que o livro seria um enorme bloco de notas em branco e as memórias a pena para a escrever um conto de mim mesmo. As vezes é fácil entender que a vida tem pudores demais e poetas de menos, também é fácil saber que não se pode deixar de registrar a vida que quer rasgar o peito.
Naquele dia simples notei coisas igualmente simples e como toda simplicidade, notei coisas que realmente importam, o olhar de minha mãe se despedindo de mim ao deixar a casa construída com tanto sofrimento pelo meu pai, casa que nunca chegou a ser finalizada, lembro do tom de voz da mãezinha respondendo meu pedido de bênção “Que Deus te abençoe meu filho”, lembro de ter sentido um nó na garganta quando percebi que haviam rugas novas no lugar onde haviam lisas maçãs de rosto, notei o tempo saqueando a vida. Lembro de ter parado ao fazer o sinal da cruz, ritual matinal ao descer os degraus que me conduzem para fora da pequena vila onde ficam as casas de minha família.
Parado na ruazinha onde passa a condução lembro de ter olhado com olhos chorosos para a casa de onde acabara de sair e ter visto o semblante de oratório dela a me abençoar, como quem diz “volta...não vai trabalhar hoje não meu filho.” Fiquei pensando naquela imagem e pedi a Deus que ela fosse apagada de minha memória para que meus dias fossem mais fáceis, tolo pedido, se é mesmo Deus quem nos permite ter estas visões para, quem sabe, ter orgulho de nós um dia desses. Se não fosse aquela imagem, de minha mãe parada na janela, se não fosse meu pensamento de que ela olhava para mim, me protegendo com o amparo de olhar de mãe, se não fosse isso tudo aquele dia teria sido mais fácil de ser digerido, talvez minha mãe estivesse olhando para outra coisa, para o céu, para o beija flor, para o galho da árvore do quintal vizinho que teima em invadir nosso quintal, talvez minha mãe estivesse mesmo orando, por algo que não fosse a mim mas aquilo que sentimos é tudo que importa nessa vida e mesmo enganado os sentimentos chegam a nos pastorear como ovelhas em um campo, eles nos conduzem até penhascos, arranha-céus ou mesmo bancos de praça, e o que eu senti naquele dia me acompanha até hoje e depois daquela manhã toda minhas memórias dolorosas sobre minha padroeira se apagaram e percebi que mãe é um pedaço de Deus, percebi também que o sereno no peito era Deus preparando a parede do meu coração, como um João-de-barro faz com sua casa sem planta, só é preciso o sentimento, era Deus preparando o lado de dentro do meu coração, deixando as paredes firmes e confortáveis para receber a nova inquilina que se instalou e só vai sair quando o coração já não for necessário, como semente brejeira que o vento leva, preparando meu coração para a lembrança do olhar de minha mãe me cobrindo com manta, me aquecendo os pés, me esfregando as costas e me agasalhando para que o mundo não pudesse me ferir, o olhar de minha mãe que passou a ser o meu próprio olhar.

Lembro de um dia desses ter acordado com um vazio no peito e essa é só uma lembrança boa.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Aperreado com Deus

Aperreado com Deus.
Wesley Faria

Deus, não nasci porque quis,
Então trate de me dar uma boa explicação,
Por ter me colocado no planeta errado
E ainda assim deixar que queiram de mim um raciocíno guiado. Meu e-mail o Sr. ja tem,
Mas nem tente me escrever,
Não mande escrito "Deus"
Senão eu bloqueio você,
Se quer mesmo me explicar,
Não escreva amanhã,
Pois reservei este dia
Para minha caixa de Spam,
Se quer mesmo me explicar,
Tome coragem para me ligar,
Afinal que pai é esse?
Nunca ligou pro seu filho,
Nunca passou telegrama,
Sabe bem que prefiro essas vias,
Não me adicione em rede social,
Senão não vai ser legal,
Vão ler nossos recados em aberto,
Quero um papo reto contigo,
Me deve muitas explicações,
Quero saber o por que do ornitorrinco,
Quero saber o segredo dos maçons,
Quero saber acima de tudo,
Por que me deste apenas um coração,
E dois pés e duas mãos?
Caminho mais do que gosto,
E quero ter sempre mais do que posso suportar.

Passa lá em casa um dia,
Ou melhor, não passa não,
Pois se vier de estrela guia,
Te recebo de canhão,
mas se vier,
Que venha andando,
E não faça muita firula,
Venha humilde, simplezinho,
Montadinho em uma mula,
Que é pra ninguém se assustar,
Pensando bem deus,
Deixa isso pra lá,
Se até hoje não me respondeu,
Agora sou eu quem não quer lhe falar,
Esquece o meu texto e pode ir brincar,
Deixa que eu lhe visito,
Com meu traje lunar,
Mas agora te digo,
É melhor se esconder,
Pois se te pego moleque,
Você vai se arrepender,
Vai ver como é engraçado,
Apanhar pra valer,
Vai ficar machucado,
Com o joelho ralado,
E não quero ouvir um pio,
Pois senão lhe desafio,
A fazer um mundo novo,
E te mando pra o Alasca do céu,
Amarradinho,
Na proa de um navio.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Reinvenção de mim.

Reinvenção de mim.
W.Faria 

Formei meu corpo com água e vento,
Sou muito mais do que sinto,
Me esculpi com os carinhos do tempo,
Para o qual as vezes minto.

Se me caem as lágrimas e molham meus pastos,
Sei que em flores renasço,
Se me dizem que estão tortos meus passos,
Digo que pelo caminho só eu me acho.

Rio meus sóis, derramo meus mares,
Moldo meu e o preparo para o frio,
Queimo em brasa a carne a qual desafio,
Me reinvento a cada manhã,
Enquanto acompanho as águas do rio.

sábado, 2 de novembro de 2013

Casa de passarinho

Casa de passarinho.
W.Faria

De manhã, já bem cedinho,
Abro os olhos de mansinho,
Pra não assustar o dia,
Pra não atropelar a poesia,
Mesmo em cidades acordo no campo,
Felicidade, a viola e um canto,
Eita gente agitada que não quer saber de versar,
Assim a vida ta quebrada,
Não dá nem pra arrumar.

Deixa o mundo girar
Que já tem muita gente lá fora,
Fica aqui dentro do meu abraço,
E faz teu ninho nessa hora,
Sou passarinho em busca de um laço,
Pra fazer casa, sem parede e com riacho,
Debaixo de um pé de amora.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A Beata Boateira

A Beata Boateira
Wesley Faria

Todos os dias ela passava,
Livro bento sob o braço,
No cabelo um rubro laço
E na língua uma navalha.

Faz a feira bem cedinho,
Acorda com os passarinhos,
Diz amém ao criador
E vai desfilar sua saia,
Seu ouvido de fornalha,
Sua mente de motor.

Sempre fazia piadas,
Comenta com a cara limpa
Que esse e aquele não presta,
Não é bom, não vale nada,
Só sua vida que é linda.

Na missa o primeiro banco,
As sextas feiras, o branco
E aos sábados comunhão,
À todos diz que a pureza,
Que a paz e a leveza
Recheiam seu coração.

Todo mundo sempre diz:
- Lá vai ela, a beata, 
ohh mulherzinha sensata,
brilhante e de pé no chão.
É quando ela gosta mais,
Sorri e nem olha pra trás,
A noite descansa até mais
Sua cabeça no colchão.

É tudo lindo a primeira vista,
Mas quem conhece bem que o diga,
É tudo moldura de quadro,
E com a madeira já podre,

Essa beata bendita,
Fala mal no pé da nuca,
Do nascer do sol vermelho
Ao cair da arapuca.

Tem nojo até de criança,
Chega a lavar a mão
Quando pega recém nascido
Na frente da procissão.

Conta um caso de um caboclo,
Que namorou a beata,
Ele caminhava bastante
E não podia ficar,
Diz que a beata sabia
Que a estrada era a guia
Daquele caboclo do ar.

Mas ela não aceitou,
Fez que não ligou
E o romance terminou,
Ele, branco como giz,
Sorriu de orelha a orelha
Em saber que a beata
Ao invés de zumbir feito abelha,
Desejou final feliz.

Ela fazendo média,
Começou a falar mal,
Dizendo que o caboclo
Era um sujeito pagão,
Feio qual o diabo,
Malvado que só o cão.

No outro dia a beata
Continuava na lida,
Ia e vinha na feira,
Sem ninguém desconfiar
Que sua vidinha pacata,
Era um casulo de lagarta
Prestes a se transformar.

Mas a fama não é sua amiga,
E a beatinha bendita
Não demora a escorregar.

Hoje ela ainda caminha
Com mais umas três beatinhas,
Para ajudar a falar,
Afinal a história boa,
É quando tem um cabra pra ouvir,
E outro pra confirmar.

Eita beata prendada
Mas aprendeu tudo errado,
Não sabe que ao falar batatada
Não pode esquecer do quiabo,
Santa assim desse jeito,
Só o diabo merece,
E dizem que ele até se apressa
Quando a beata faz prece.