sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Cria de um sabiá.


Cria de um sabiá.
W.Faria

Se um dia eu começar a avoar,
Não venha dizer que é surpresa,
De longe dá pra me ouvir piar,
Cantar a cor da natureza.

Se um dia eu teimar em pousar,
No varal da dona Tereza,
Ela vai querer me arrebentar,
E vai chorar de tristeza.

Varal nenhum há de aguentar
Tanto peso que carrego,
É um peso mesmo medonho,
De tanto sonho que rego.

No colo da minha mãe
Me lembro de ouvir falar,
De ter nascido um menino,
Que podia até avoar.

Mas não lembro de ter visto
Um diazinho sequer minha mãe dizer,
Que ia me levar pra um galho,
Pra eu aprender a descer.

Cresci mesmo meio sem jeito,
Com umas roupas de dar dó,
Menino brincava de carro,
De corda, peão e cipó,
E eu gostava quando um raio
Caia e levantava pó.

Minha mãe e pai não entendiam
Falavam :

"Minino pó pará,
ocê não é fio do vento,
pra querer só avuá.
Trate logo de se assentá
E ficá inguá todo mundo,
Que que o povo vai dizê,
Quando a notícia corrê,
Dizendo que fio meu,
Sartô do coqueiro maió,
Se arrodô, girô caiu,
Se estabefô no mei fiu,
Ahh minino, tenha dó."

Hoje eu posso entender,
Que não adianta correr,
Quando a gente nasce com asa,
Não dá pra tentar desnascer.

Tem muita pedra aqui em baixo,
Tem pouca cor, é o que acho,
Tem muita usina e cimento,
Tem pouco bitu e jumento,
Tem muita mentira falada,
Tem pouca verdade inventada,
Tem filho de seu doutor,
Que tem filho e não registrou,
Muita farsa, geringonça,
Pouco rio, riacho e onça,
Muito santo e pouco milagre,
Muito vinho e aí sim, muito vinagre.

Meu lugar não é aqui,
Soube desde que nasci,
Nunca gostei de andar,
Pulava pra economizar passo,
Crescia pra inventar espaço,
E agora que me entendo,
Sei que o que digo é remendo,
De uma verdade sem graça.

A cidade, a usina e a pracinha,
Um dia vão se acabar
E eu que não fico esperando
Tudo desmoronar,
Já que nasci cantando,
Hoje em dia ando treinando,
Pra poder me disparar,
Vou rasgar o céu bem cedo,
Quando ainda é alaranjado,
Vou ficar quieto em segredo,
Escondido atras da nuvem,
Quando ouvir o sino bento,
Vou saber que é relento,
E que já posso pousar,
Assim, quem sabe o povo enxerga
Que não sou filho da terra,
Eu sou filho é do ar,
Minha mãe só me criou,
Porque ficou sem jeito,
De dizer que com respeito,
Ela criava um sabiá.

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