Negro-deus.
W.Faria
Mesmo que quedem os astros, mesmo que desatem os nós,
mesmo que o inferno se gele, ainda estaremos a sós.
Mesmo em meio ao nevoeiro de gente, com gritos e faces latentes,
mesmo que os anjos caminhem pela fresta podre do mundo,
migrando norte-sul, num ir e vir vagabundo.
Mesmo que a dor das aldeias incendiadas pelo fogo branco,
Alcance as veredas do céu, criando nelas um ambiente brando,
e as cores dos cocares se tornem pálidos quadros na parede da vida.
Ainda assim, torpe, sujo, inerte e pálido,
Surgirão do rastro de pó vermelho,
Como um relâmpago rasgando o céu,
Um homem mouro, vermelho-douro,
Moreno nobre, um negro deus que salva réus.
Erguerá em voz altiva que ainda tem e sempre terá,
A flecha decisiva que findará o conflito das cores,
A flecha que voa qual bala que brilha,
A mão do arcanjo envolta em neblina,
O passo da viúva ao lado do cortejo
Rumo ao fim, rumo ao último beijo.
Lançará mão do teu eu mais íntimo e será o eu-coletivo,
Vivendo do som dos tambores, açoites de um tempo que passou,
Negro-deus, pai de poucos, voz de muitos, deus dos loucos,
Dirá com certeza na voz que já se quedaram os astros,
Se desataram os nós, e mesmo assim ainda estamos a sós.
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Um poema para quem vive crendo que o salvador virá, ele já veio e já foi, ele vem a cada dia, ele vai a cada minuto, como um cacheiro viajante, um aviãozinho do morro, que leva pra cima o pedido de socorro. Um poema para quem crê que somos deuses, cada um de nós com seus discípulos e missões e principalmente, calvários.
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