sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Viver versando

Viver versando
Wesley Faria


Ahh, eu gosto tanto de viver assim versando,
A vida é mais bonita quando o dia vem chegando,
A gente se ajeita na cama, apaga o lampião de gás,
e vai logo pra janela celebrar o que o dia traz,
Um cheirinho de café, quando a gente escuita o bule,
Corre logo pra cozinha pra acordar mais depressinha.
Um rádio toca baixinho, um som de seresta e prosa,
Um cheirinho de goiaba misturado com flor de rosa,
O galo canta sem graça, o beija-flor já vem chegando,
Ahh eu gosto tanto de viver assim versando.

Uma velha bem velinha na beirada da janela,
Faz a prece e bota a santinha do ladinho de uma vela,
A broa já ta no fogo, com cheirinho de canela,
E os menino esperando lá fora a condução levar pra escola,
Uns com os olhinhos fechados, outros não dão muita bola,
Um corre apressadinho, acho que perdeu a hora.
A enchada com o sorriso na cara, esperando ser empunhada,
E o lavrador de cara já lavada caminha pra dentro da terra,
Que espera ser lavrada.
O café vai se acabando, a fivela se apertando,
Ahh eu gosto tanto de viver assim versando.

Ali perto um riacho, uma bica e um girassol,
A mocinha corre logo pra estender o seu varal,
Um cacheiro vem fumando, um matuto reclamando,
Cancioneiro se cansando, os cansados já sonhando,
Sonhadores se levantam e os de pé nem se amedrontam,
O riachinho lava a cintura, as águas levam a espuma,
O gado lá longe espia, bem-te-vi canta, gato mia,
Uma cena radiante, faz a gente ir mudando,
Ahh, eu gosto tanto de viver assim versando.

A vida no interior é que é boa, tem mais serra, mais lagoa,
Mais poesia, mais tempo a toa, mais toada, mais trovão,
Tem mais chuva, mais garoa, tem viola, tem terreiro,
Tem trabalho o ano inteiro.
E no final quando o dia acaba, vem passando um boiadeiro,
Vem guiando sua boiada,
Os menino correndo atrás, passarada em revoada,
E o boiadeiro com berrante vai gritando sua chegada.


Meu trabalho já ta feito, já registrei toda cena,
O sol vai cochilando, caindo por trás do morro,
E eu já vou caminhando, vou pra outro povoado,
Dar poesia, dar socorro.
Vou tocando violão, um acorde ou dois no máximo,
Erro toda hora o tom, mas sei que não erro a mão,
Porque toco, canto e verso, com a voz do coração,
Simples e sem dinheiro, vou de nuvem em nuvem,
Sem paradeiro, até que um dia encontre,
Meu vozinho brincando de guerreiro,
Numa guerra branca e fofa, feita de tanto travesseiro.
De repente uma nuvem cai e vejo um velhinho levantando,
Ahh, eu gosto tanto de viver assim versando.

Meu vozinho bem que sabe, bem que disse e é verdadeiro,
Que um dia a gente se encontra, ganha quem ver primeiro,
Vou buscando, procurando, em cada forma de nuvem,
Eu afirmo e não duvido, meu vozinho tão lindo está,
Em cada verso que digo,
Enquanto não o reencontro, vou por ai vigiando,
Cada nuvem que vejo fico aqui debaixo inspecionando,
Se uma me dá um sorriso, sei que é ele me vigiando,
A noite caindo lenta, estrela me alumiando,
Vagalume pisca pisca, vem pelo breu salpicando,
Mariposa roda a luz e a lua assume o trono,
Ahh eu gosto tanto de viver assim versando.

A lenha estala alto, molecada vem chegando.
Sinhá dona traz café pro moço que ta capinando,
O cavalo já nem trota, passo largo, meia cela,
Risaiada pela rua, a velhinha acende as vela,
Acende uma pro anjo, uma vai na romaria,
A igreja se ilumina, é hora da sacristia,
A praça fica lotada, viola com companhia,
E a lua é lamparina pra trazer a luz do dia,
Digo adeus ao povoado, agradeço a moradia,
Vou pra estrada novamente, levando minha poesia.

Numa mão minha viola, na outra o desencanto,
Que pra o apego não me tapar a vista, enquanto estiver voando,
Mais um dia uma cidade, uma prenda sem desengano,
Ahh, eu gosto tanto, de viver assim versando.



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