sábado, 21 de novembro de 2015

Lugar de esperto

Lugar de esperto
W.faria

É da sabença de todo cabra que quando a moça, seja ela moçoila ou
donzela ainda encabaçada, quando a dona se sente enrreivecida de nada
serve clamar a padre ciço pelo umbigo salvo, é de ordem clara não
passar nas redondezas quanto mais nas quadradezas. Quando a moça
entope as veias e o ventre com o fogo da moléstia é de sabença também
que o cabra reze a vela de maior comprimento, largura e tonalidade, a
modos de que sobreviva a saliência da personalidade da dona.

reza-se um padre nosso uma ave maria e uma salve rainha, se apela pra
santo, deputado ou majestade, quem puder ajudar no momento de
precisão.

se é caso de fúria da peste, o cabra dorme com um ôio aberto e o outro
aperreado, esticado por cima do ombro e encontrando a mão direita, se
é caso de destra, da dona, a modo de certificar que nenhum objeto
ponteagudo de suma cortância está sendo empunhado, relevado ou
descansando perto da mão alheia.


mas se o cabra é macho mesmo, enfrenta o ferro no peito, entorta a
lâmina no dente e arranca fio por fio do cabelo da rapariga, a modo de
dizer quem é que manda, torce o bico do peito com um alicate quente e
fala bem auto um nome falso, que é pra modequem tá perto não cobrar
depois.


resumindo, amar é da humaneza de cada um mas o pé atras faz do mundo
um lugar de esperto.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Quero

Quero
W.Faria

Quero tudo que se move,
Quero aquilo que rasga de paixão,
Quero a marca que o amor devolve,
Quero os búzios na palma da mão.

Quero assim, quero bem forte,
Quero de um jeito quase sem sorte,
Quero não deixar de querer a vida,
Quero desafiar a morte.

Quero o santo no meu leito,
Quero o chama que dança a seu jeito,
Quero o vento a baiar na cortina,
Quero a seda de um anjo no cabelo da menina.

Querer assim, quero muito,
Querer sem pudor, vagabundo,
Quero ter, sem ver e sem dar volta ao mundo,
Quer que queiram meu sagrado intuito.

Quero, por fim, me tornar parte de tudo,
Para que, enfim, me separe do mundo.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Salmos de vovó

Salmos de vovó
W.Faria

Ela acordou!
A novidade percorreu as linhas espiraladas do aparelho de telefone e me encontrou,
Homens e mulheres com olhos mareados, marujos da tristeza correram quando ela acordou,
Quando as mãos pareciam distantes e os lares afastados, entendemos que os corações sempre moram lado a lado e por todos os cantos ecoavam a noticia que havia chegado, ela havia acordado.

A reza e as luzes de fé a seguiram até que ela ficasse de pé,
As hastes que a seguram são feitas de mãos e ombros,
Removendo-a dos escombros frios e amontoados de doutores,
Os passos agora mais lentos, devido ao peso por ser quem é,
Sem mais sangue nos joelhos, orações e sonhos,
Sem mais o medo de brancos senhores,
Ela acordou e sabe quem ela é.

Hoje a vida recomeça, com um suspiro de doçura,
Como se o mundo voltasse a andar sua volta pesada,
Como sabiá que quebrou a asa,
Hoje, minha vozinha voltou pra casa.


Pela saída de minha avó e mãe do hospital.


sexta-feira, 24 de abril de 2015

Rezinha para bem querer

Rezinha para bem quererW.Faria
Te trouxe uma fita e uma reza,
Uma roupa pra mais tarde,
Um laço pra seu cabelo,
Uma vela pra maldade.
Te trouxe uma flor de um jardim roubada,
Te trouxe meu cheiro de alecrim,
Te trouxe um golinho de café,
Se não quiser, deixe pra mim.
Sabiá lá na goiaba,
Canta o pio de um amor,
Espia que logo acaba
Toda prosa de rancor.
Não liga pra pressa do mundo,
Fica bem devagarinho,
O sol, que faz sombra lá fora,
Só esquenta nosso ninho.
Te trouxe uma fita e uma reza,
Uma roupa pra mais tarde,
Um laço pro seu cabelo,
Que é da cor da minha verdade.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Tiros na rua Emmet.

Tiros na rua Emmet.
W.Faria

Com notória sede por vingança ele a alvejou duas vezes, o primeiro lampejo de consciência em anos, uma, duas luzes. Rastros de pólvora pelo ar a se desfazer, assim como tudo que é sólido e se desfaz no ar. O corpo caído teve seus últimos trejeitos de vida, uma, duas piscadelas e revelou seu pálido hálito de morte. Ele, com um semi-sorriso, borboletou entre a viela e se sentiu em paz, caminhou lentamente enquanto limpava suas digitais da arma recém comprada de um garoto de treze anos.
Algumas pessoas do bairro chegaram até a janela para averiguar o som que rasgou a madrugada e lá estava figura dantesca, chapéu, capote preto, óculos escuros e um perfume que deixavam ébrios até os ratos do local, caída no chão, a jovem de pele rubra. O assassino, trajado de elegante terno
de linho cinza escapou pela última hora da madrugada, deixou para trás seus passos e uma silhueta que mais lembrava um lobo em meio aos arbustos.
[se foi]

sábado, 11 de abril de 2015

Nordeste beijo

Nordeste beijo
W.Faria

Rasgar a cara do asfalto
Com o peito movido de céu,
Rachar a curva da terra
Com os olhos varados de um réu,
Enevoar sete ares,
Esquecer de cada anágua,
Escurecer o sagrado,
Inundar cada cristo em água.

Nordeste-me um beijo seco,
Com as vozes do canavial,
Caravelas, cabelos soltos,
Pobres Dantes, afinal,
Cobriram-me sentimentos fúteis,
De um ouro marginal,
Arranquei a cruz do chão
E plantei o meu protesto,
Não aceito a solidão
Como soldo de um ladrão.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Nove Candeias

Nove Candeias
W.Faria

Eram novas as candeias durante esta manhã,
O vento as penteavam como quem penteia um filho,
Órfãos de maré, perpetuavam seus bailados suaves,
Nove candeias inertes, cujas chamas rompiam o silêncio
Em uma melodia quase inaudível de borbulhar de fogo.

A nona candeia se recostou em nobre leito e derramou-se em solidão,
A oitava lutava pela nobre arte de conseguir iluminar os pedidos de perdão,
Era a sétima, a candeia da imensidão, que trazia paz, carinhosa salvação,
Sexta era a candeia cujo pálido corpo pendia lá e cá, em comunhão,
A quinta candeia plácida, devorava-se ante a multidão,
Quarta candeia bela, bela de um douro suave, impelida de cantar,
Seus versos doces e vinagres,
Terceira e não mais distante, cadeia de retirante, uma lágrima de cera no chão, uma outra pintava a mão,
Segunda, a mais brilhante, a bela, candeia voraz, queimou todo seu brilho denso nas belezas temporais.

A primeira, a pequenina, a candeia de mais timidez,
A primeira, sem tanto brilho, sem branca aura, sem nitidez,
A primeira, que consumiu a luz do amor, dividiu-se em oito candeias,
Como fez o redentor,
A primeira, nobrezinha, cheia de sonho e de cor,
Se emudecia em seu canto, para dar voz ao seu louvor,
A primeira, candeia rubra, de sangue e de paixão,
Foi a única que persistiu até o final da procissão,
Tocou o chão, tocou o céu,
Queimou dedos, pés, papel,
Candeia mais jovenzinha,
Candeia de gente ao léu.