Romance para Violino.
Khristopher W.F.
Ela mora perto de um jardim, tão perto que às vezes acho que
ela mora dentro deste jardim. Sempre vou até sua casa, sempre a tardinha,
quando o sabiá já parou de cantar mas as vezes noto um ou dois colibris
pertinho da sua casa, sempre tem alguém sorrindo por ali. Passo por três ruas
antes de chegar até lá, cumprimento um ou dois moradores e entro em uma outra
rua que tem um beco, gosto de becos. A travessia que dá acesso à sua casa é
perigosa e sempre atravesso bem atento, tem sempre máquinas na pista ou homens
em obras, os cumprimento também.
Quando chego perto posso ouvir o latido de alguns cachorros
que moram por ali, são de uma senhorinha bem senhorinha que espia pela janela
sempre que estou por perto, me sinto um artista. O sol logo vai embora e a cena
muda consideravelmente, se torna rapidamente avermelhada, assim como ficam
minhas bochechas quando sei que ela esta descendo as escadas, ela sempre as
desce uns vinte ou trinta minutos depois do horário combinado, acho um charme.
Ela chega com uma cara de que nada aconteceu e no fundo se
crucifica pelo atraso, eu não ligo, juro que não ligo, considero uma verdade
inegável o fato de que algumas pessoas podem se dar ao luxo de chegarem atrasadas,
como a noiva no altar e...bom, na verdade acho que só a noiva pode chegar
atrasada e ainda assim ser elegante, a noiva e ela, que chega sempre como um
passarinho, suave, com aquele sorriso embebido em batom.
Romance para Violino
nº 2 fica sendo repetindo em looping em minha mente enquanto tento entender
como é que um ser pode ser tão lindo e ainda assim estar vivo, lembro-me de ter
visto musas em quadros tão antigos que quando eu nasci os pintores já não
estavam mais vivos. O fato é que escuto a musica e ainda assim posso ouvir tudo
que ela diz, na verdade ouço aquilo que ela diz, o que as velhinhas sussurram
nas janelas, ouço os cachorros a latir, o gato a miar e até as asas da coruja
buraqueira que um dia assistimos voar e pousar em galhos secos de uma árvore que
nasceu em um barranco amarelado pertinho de um rio. Sempre caminhamos juntos pela
madrugada e caminhar pela madrugada nunca me pareceu tão elegante, de um perigo
tão adocicado que não dá medo de correr.
Ela tem cabelos de noite e um olhar da cor do sol, consegue
guardar dois ambientes completamente diferentes dentro de si. Quando ela sorri,
eu também sorrio, primeiro porque adoro o som de sua gargalhada e depois não
sei explicar porque, talvez eu queira sorrir por não acreditar no que acontece.
Ela mora perto de um jardim, tão perto que ainda não sei se
ela mora dentro ou fora dele e na verdade não faz diferença porque enquanto eu
viver vou querer criar jardins em todos os lugares pelos quais passarmos. As
flores terão inveja, assim como muitas pessoas, mas é fácil compreender o
motivo, ela é um novo continente, tanto que às vezes me sinto Colombo, até nas
roupas me pareço com ele, menos na soberba e pedantismo, tenho pra mim que
Colombo era um pau mandado e eu não sou, só vou onde quero ir e na verdade só
vou ao encontro daquilo que me desperta interesse ou vontade, como o canto dos
passarinhos, as flores novas na primeira semana da primavera, isso tudo me
desperta interesse e ela, ela me desperta mais que isso, ela me desperta
poesia.
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