terça-feira, 24 de setembro de 2013

Mova-se

Mova-se.
Wesley Faria

Durante muito tempo em minha vida pensei em subir o mais alto que pudesse na escala empresarial, queria ser um ótimo profissional, galgar um alto posto, mesmo que lentamente, em alguma empresa. Durante muitos anos pensei que essa seria a maior conquista que poderia acontecer em minha vida, pensava conseguir alguma estabilidade financeira para que posteriormente pudesse investir em algum negócio próprio ou até mesmo viajar pelo mundo, hoje sei que estava errado.
Foi no velório de meu avô que pude perceber coisas que nem fazia ideia de que iriam um dia passar pela mente. Reparei que no canto da sala haviam algumas pessoas com ar de dor, saudosos amigos e familiares, todos comentavam sobre a vida do falecido como um eterno sonho utópico, falavam sobre suas vontades, características, sobre tudo que ele gostava de fazer enquanto vivo. Durante alguns instantes observei atentamente todos ali presentes e percebi que nenhum comentário havia sido feito sobre o trabalho de meu avô, a partir daí teci linhas de raciocínios que me levaram as reflexões expressas nas próximas linhas.
A vida não é um jogo de videogame no qual ganha quem reunir mais moedas, assim como o câmbio é modificado e as moedas perdem o valor, quem vive para a cifra acaba sendo substituído mais rapidamente  pelo mecanismo da cidade, pelo agrotóxico do mundo financeiro. A vida é para ser cultivada e não arrancada como uma erva daninha. Existem coisas que não podem se mover, como montanhas, árvores, estradas, então se você não é nenhuma destas três coisas não se deixe intimidar, caso não esteja feliz em algum lugar ou realizando alguma função, mova-se o mais rápido possível. Não são necessários livros de auto-ajuda, mantras ou quaisquer questões que desenvolvam a iluminação, desenvolva sua iluminação interior sim, mas para que possa ser um individuo melhor, porém se depender desta iluminação para sobreviver não conseguirá ser feliz, a única pessoa que sempre entendeu seus pensamentos, necessidades e objetivos é você mesmo, então não tenha medo de romper laços com o mundo financeiro e abrir os braços para o mundo interior. Após nossa partida deste mundo ninguém irá se lembrar de quanto dinheiro havia em sua carteira, quantas roupas haviam em seu armário ou qual era seu real sonho, afinal quem conhece este sonho é você, os outros conhecem somente seus atos e não seus pensamentos, conhecem somente aquilo que você quer que eles conheçam, por isso não conte com o bom senso dos outros, não conte com aplausos, se eles acontecerem aprenda que até mesmo os aplausos passarão. Repare tudo que puder reparar, encontre aqueles que possam estar tristes por coisas que você falou, por gestos seus, mesmo que por engano, deixe somente as lembranças boas falarem por você e entenda que mesmo que consiga reparar muitos danos do passado ainda assim existirão aqueles que irão dizer que você não foi uma boa pessoa, aceite com maestria e entenda que comentários como este são engrandecedores e servem para que você saiba que foi um ser humano e como todo ser humano foi passível de erros. Abrace uma árvore, escreva memórias, conheça o interior, tire fotos, faça um estranho sorrir, perceba como é necessário deixar boas sementes para que os outros colham no futuro, corra de braços abertos, ame e saiba que só ama de verdade quem não tem medo do ridículo, faça cenas, serenatas, valorize coisas que ninguém mais valoriza, dê bom dia, boa tardem boa noite, invente melodias, cantarole pelas ruas, encontre desenhos em nuvens  e encontre constelações, caso não as encontre, invente-as. Saiba que um dos sons mais doces que se pode ouvir é o som do vento lhe acariciando os ouvidos, isso lhe mostra que existem forças inexplicáveis e que estas forças não dependem de nós para continuarem seus movimentos. Aprenda com essas forças, aprenda com o mar, com o vento, com o chão. Viver é um exercício para ser feito diariamente e acredite que ao exercitar a vida durante um segundo será o bastante para se viciar. Entenda que um ´Adeus´ não é para ser temido, afinal, um novo adeus é sempre seguido de novo olá, diga olá para a vida e mova-se. Assim, quem sabe no dia de seu velório comentem sobre o semblante de sorriso que você traz em seu rosto, quem sabe não se lembrem que você foi apenas um trabalhador e lembrem-se que você foi um ser-humano que viveu, sonhou e acima de tudo, um ser humano que sorriu.

domingo, 8 de setembro de 2013

Todo avô é eterno

Todo avô é eternoW.Faria

Todo avô tem um pouco de mago,
Um cheirinho de afago
E um oceano no olhar.
Em um dia claro de inverno
A gente pode entender
Que todo avô é eterno,
mesmo depois de morrer.
Quero me derramar em poesia pelo campo, deitar em um diazinho brando e nascer denovo em algum canto. W.faria

Auto-amigo

Auto-amigoW.Faria

Seja seu melhor amigo
Se abrace, se dê abrigo,
Conte para si os segredos mais antigos,
Esteja ao seu lado quando correr perigo,
Não se entristeça sem sentido,
Assim perceberá que sempre pode contar consigo,
Seja sempre seu melhor amigo.
Se o mundo nunca para de girar porque é que eu tenho que parar? 
W.Faria

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Luz e Neblina / A dama Escarlate

Luz e Neblina / A dama Escarlate
W.Faria

Era tarde quando a porta abriu, as chaves foram colocadas delicadamente no móvel perto da porta, os passos sussurravam seus sons, como se não quisessem ser notados, como se nem ali estivessem. O chuveiro logo derramou sua cascata de renovo e em 20 ou 30 minutos a casa não passava de neblina recém saida pela porta entreaberta do banheiro. A toalha revestia o corpo como uma toga de algodão, foi quando percebi que a noite tinha se tornado uma cena saida de algum quadro impressionista, a penumbra dos móveis recheava a sala, a neblina coloria o chão como arbustos em florestas, florestas essas que permeavam minha imaginação desde crianças. De fato as florestas que conheci não representam um terço daquilo que minha mente infantil e sonhadora entendiam por selvas, matagais ou bosques, é fácil entender que para uma criança todo campo se torna encantado, toda árvore é um castelo e todo galho caído é a espada de um nobre cavaleiro errante que vaga em busca de aventura, ou um cetro para uma elegante princesa digna de nobres sentimentos. 
Sai do banheiro e observei como tudo estava plácido. Caminhei pela casa e sussurrei ao abajour apagado do lado direito do sofá maior, disse "Não fique tímido cavalheiro, não lhe concedo a dança pois vim até esta taberna em meio ao nada a convite daquele distinto Senhor ao lado da porta." logo me aproximei do jarro de orquídeas que colorem minha porta com seus tons branco-azulados.
Ao segurar o jarro delicadamente pude imaginar as mãos entrelaçadas em minha cintura, as mãos de um cavalheiro, tocando e não espremendo, sentindo e não esfregando, conduzindo e não carregando. A dança não poderia ter sido melhor, na realidade não havia sido até a conjunto que tocava naquela noite, um quarteto de cordas com violino, cello, viola e um baixo acustico, elegantes, iniciaram uma musica que encheu minha alma com um sentimento que já nem reconhecia mais, já não sabia que poderia ser possível sentir novamente. Era um sentido novo, como se os dias já não precisassem correr mais, como se o relógio não tivesse mais função alguma em minha vida, o tempo simplesmente parou.
Uma mistura de calma e segurança invadiram meu peito sem pedir licença, a porta se abriu e ele entrou, com um sorriso tímido nos lábios olhou em volta e quando seu olhar encontrou o meu ele parou, me fitou e pude escutar meu coração batendo mais depressa do que eu imaginava que fosse capaz de bater. A sensação foi tão arrebatadora que o gentil Sr. com quem eu dançava pode notar e cedeu a dança ao novo integrante da noite, que me tocou o ombro delicadamente, mãos de pluma, e não precisou dizer uma palavra sequer para que os passos pudessem navegar exatamente na mesma direção. Cada giro lento da dança era um giro a mais no mundo, sentia meus pés saindo milimetros do chão e sentia também que mesmo sem os movimentos da dança isso seria possível. Os giros faziam com que meus cabelos se puséssem qual bandeira pelo centro do pequeno salão, rubra qual paixão, qual sol que nasce entre nuvens de outono, aliás sempre acreditei que o outono fosse uma estação mediana, que não aceita sua própria temperatura, é densa, robusta e charmosa como nenhuma outra, o outono tem jeito de amor novo, deve ser isso. Quando a música parou eu pude agradecer pela graciosa parceria, ele beijou minha mão devagar, olhou para mim e sem dizer uma palavra se foi, se afastou aos poucos, eu o seguia com os olhos, ele passou pelo bar, pelos musicos e ao chegar na porta parou, se virou quase que em câmera lenta e sorriu para mim, sei que ele poderia ter sorrido para qualquer outra pessoa, por qualquer outro motivo mas algo dentro do peito diz que aquele sorriso, aquele último sorriso foi destinado aos meus lábios, sei disso pois eu o recebi como uma flecha certeira lançada em minha direção. 
Durante todo o restante da noite cada barulho, cada movimento repentino na neblina do chão me fazia olhar a porta, na esperança de que aquele sorriso adentrasse novamente aos meus últimos momentos naquele lugar. Todos os momentos são eternos se quisermos que eles sejam, todas as lembranças são as melhores se quisermos que elas sejam, todos os amores são para sempre, se quisermos que eles sejam e naquela noite, naquela exata noite, com a neblina colorindo o chão, com a música me fazendo flutuar, com o aroma do seu perfume ainda a me acariciar, naquela noite a única coisa que eu queria era mais um sorriso, pois naquele sorriso pude encontrar um oceano de paz como um barco ancorado em um porto seguro, aquele sorriso era um abraço. Mas ele não voltou, vagarosamente a neblina se dissipou e o chão do lugar cedeu espaço para o piso frio da sala de estar, as luzes foram sendo apagadas, uma a uma, pelo tabelião e pude ver novamente a porta da sala, o sofá, o abajour em seu lugar e o distinto Senhor com quem dancei se despediu e voltou para a lateral da porta, me acenou com uma mão, me sorriu e novamente pude reconhecer o jarro de orquídea branco-azulada do qual dependia sua existência.
Por último pude sentir meu vestido vermelho escarlate ser desenrolado em uma toalha recém-umedecida pela água de um banho demorado, até mesmo a noite se tornou mais clara depois que a música parou. Depois daquela noite nunca mais meus banhos demoraram mais que 20 minutos, em determinados momentos o relógio me lembra de que já se acabaram estes minutos e desperta como quem diz para tomar cuidado, para não deixar a neblina sair pela fresta da porta novamente e obedeço os carinhosos conselhos. Quem sabe um dia deixe-a escapar para que possa sentir novamente a segurança que tanto me fez bem, desde então aquela noite me serviu de lição, uma dura e sutil lição que diz, Nada é mais que luz e neblina, as vezes é preciso deixar a luz entrar para a dor sair e mesmo a dor é necessária, afinal a luz na neblina torna toda dor poética.