sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Anjo-cinza

Anjo-cinza
W.Faria

Andei além do tempo,
Onde só eu pude me ver,
Cantei segredos à noite,
Ninguém pode perceber.

Fiz versos, fiz poesias,
Melodias e canções,
Criei monstros,
Os matei,
Exterminei também corações.

Fui a vela, a cera quente,
Fui o prumo e a solução,
Fui o sexto elemento
Para quem precisou de proteção.

Cavalguei nas costas do vento,
Fui além dos meus ideais,
Não fui sequer uma milha
Do que almejavam meus pais.

Anjo-cinza, maltrapilho,
Gelei meus próprios invernos,
Queimei meus olhos ao céu,
Querendo escapar do inferno.

Fui poeta, meretriz,
Fui vigário, fui atriz,
Fui ator e fui feirante,
Fui aquilo que eu quis.

E agora, no precipício,
Penso lento em retornar,
Mas se a queda é passo a frente,
Mais um passo quero dar.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Quero a paz no interior

Quero a paz no interior.
W.Faria

Quero ir pra o meu interior,
Visitar meus sonhos que deixei na porteira,
Catar no pé de flor tudo aquilo que me despertou amor,
Desintoxicar meu peito com o ar fresco e renovado,
Ar que deixei pendurado, guardado e assegurado,
Numa bolha de um rio gelado,
Quero entrar neste rio, sorrir de frio e cansado,
Depois de ter corrido em galope, de abelhas apanhando melado.

Quero ir pra o meu interior,
Amanhecer ao lado de um passarinho,
Aprender com ele como é que se faz um ninho,
Quero pisar no barro, me molhar no orvalho devagarinho,
Esperar o sol me amanhecer e a lua me sussurrar que já é hora de ir,
Quero ser parte da terra, escapar de toda e qualquer guerra,
Filosofar num banquinho, com um graveto na boca,
Chapéu de palha branquinho e falar com a voz meio rouca,
- Agora eu achei meu lugar.

Quero entrar neste mato, ir tão fundo, tão longe,
A ponto de esquecer que sou gente,
Esquecer de política, de física, de matemática,
Matemática só é bom pra contar os ovos do galinheiro,
A física e a química que quero é só pra lavar o terreiro,
Com água, sabão de pedra e um pouquinho até de perfume,
Quero esquecer de lanterna, que vou trocar por vaga-lume
E se um dia eu lembrar da cidade eu faço de conta que nem lembrei,
E continuo mascando meu fumo, plantando meu milho e fubá,
Rezando e dobrando o juêi, e fazer a minha oração.

Mas minha reza, minha reza não é pra pedir proteção,
Eu faço é outra oração,
Minha oração é de pena,
De pena de mim que demorei,
Demorei pra poder entender
Que a vida é uma e não três,
E é lá no profundo do campo,
Que a gente desfaz o quebrando,
Que um dia a cidade nos fez.